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Política

Humilhada e ofendida: a democracia

Paulo Roberto Costa foi, por oito anos, todos eles no governo Lula, o chefe de uma das mais estratégicas diretorias da mais importante empresa do Brasil, a Petrobrás, que é também das maiores do mundo. Quando sua atuação espúria e criminosa começou a vazar dos bastidores para o conhecimento público, ele perdeu o cargo, no qual foi posto pela coligação de partidos do governo, sob a chancela do PT. Mas saiu através de pedido de demissão, como se fora por iniciativa dele, e com elogios da sua chefe maior, a presidente Dilma Rousseff.

Quando os desvios de dinheiro da Petrobrás, tanto para enriquecimento ilícito do diretor quanto para formar caixinhas de recursos não contabilizados para os partidos políticos e seus dirigentes, se transformaram em enxurrada incontrolável, Paulo Roberto foi preso por ação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que surpreenderam com sua iniciativa o poder executivo e todos mais.

O diretor se sentiu acuado, sem saída, e já na companhia de um doleiro, Alberto Youssef, com o qual operava o esquema de aplicação do dinheiro roubado da estatal do petróleo, que em 2014 completou 60 anos, criada pelo sangue de Getúlio Vargas. Negociou a delação premiada.

A aceitação da transação pelo judiciário gerou polêmicas, mas num ponto ficou claro: se o preso mentisse ou suas informações não fossem relevantes, ao invés de abrandada, a pena seria agravada. Confrontado com provas numerosas durante os interrogatórios sigilosos, blefar podia ser fatal para ele.

O que Paulo Roberto disse de alguma maneira chegou à imprensa. No meio das informações filtradas pode ter havido alguma impropriedade e elas permitiram aproveitamento tendencioso na mídia e nos demais segmentos do poder. Mas a essência dos fatos relatados está sendo confirmada. Não foi confirmada, no entanto, a antevisão do diretor corrupto: suas declarações iriam explodir a eleição deste ano, tal a sua gravidade.

Se a previsão deixou de se confirmar, não foi propriamente por serem disparos de festim os de Paulo Roberto, mas porque não houve sincronia entre seus canhoneios e a cronologia da principal disputa, a da presidência da república. Algumas bombas só irão estourar a partir da segunda-feira, quando o Brasil já terá um novo presidente da república – pelas pesquisas mais confiáveis, Dilma Rousseff, no seu segundo mandato consecutivo, o PT no quarto. Nunca nenhum partido terá sido mais poderoso no país.

A nojeira que saiu aos borbotões do interrogatório de Costa e do doleiro Youssef reaqueceu a expressão final de Vargas, quando, chocado pela visão dos intestinos do seu governo, sentiu-se imerso num mar de lama. Homem valente e decidido, decidiu recompor seu caminho e refazer o acerto com a história: se suicidou com um tiro no peito e deixou uma carta-testamento como legado aos seus seguidores e libelo terrível contra os seus inimigos.

Talvez a presidente Dilma Rousseff não tenha tanto tempo para comemorar a sua vitória. A quantidade de lama que restou pelo caminho desse triunfo é de assustar, prenúncio do acervo que ainda será retirado dos arquivos de computadores e da palavra dos presos. Como ela limpará essa vitória eleitoral, se ela for confirmada amanhã, e restaurará a legitimidade do seu novo governo e dos dias que ainda lhe restam do primeiro mandato?

A agressividade, que teve seu último capítulo no ataque à revista Veja, foi o combustível da sua campanha, o que esmagou a primeira adversária, Marina Silva, do PSB, e enfraqueceu o segundo, Aécio Neves, do PSDB. O ataque à sede da Editora Abril é uma face, a ilegal, de uma moeda dupla, que também recorre à via legal. O fato de a dosagem ser quase igual é um risco e uma sombra projetada sobre o presente e o futuro.

Ainda que possa ser tida como oportunista a antecipação de 24 horas da edição da revista com a acusação de Paulo Roberto Costa contra Lula e Dilma, apontados como cientes da corrupção na Petrobrás desde o início, é um recurso legítimo da editora, como tantos outros atos oportunistas durante a fétida campanha eleitoral deste ano.

Esse ato pode ser combatido pela inteligência, rapidez e eficácia da reação e do contra-ataque, como, aliás, fez o PT, logo amparado pela justiça. Mas um braço que age assim é contraposto por um braço clandestino capaz de praticar violências e ilegalidades sob o discreto e torto apoio oficial, oficioso ou extraoficial.

Chamar ao momento seguinte ao dia 26 como terceiro turno é cometer uma frase infeliz. Nada além disso, porém. Não se trata de golpismo, já que recursos contra o resultado das urnas estão previstos pelo código eleitoral. O problema se agrava é quando as declarações públicas têm uma linguagem que corre pelo subsolo da legalidade e movimentos de bastidores que negam a ordem legal, em busca da vitória a qualquer preço, numa guerra sem os limites de tratados e convenções obrigatórios.

No ano em que a república velha cedeu lugar à república nova, em 1930, um embaixador inglês, Ernst Halmbloch, publicou um livro dizendo que o chefe do governo devia ser tratado por sua excelência o imperador republicano. O maior efeito do livro foi a expulsão do embaixador do Brasil. O que ele disse então pode ser repetido até hoje.

O excesso de poder de quem ocupa os palácios do Planalto e da Alvorada, ou a Granja do Torto (que título emblemático!) é a razão de tudo isso. Como sua excelência tudo pode, o povo encolhe – para que os insaciáveis candidatos ao poder possam ainda mais, ameaçando a tenra plantinha maltratada em todas as eleições e esmagada nas estações seguintes: a democracia.

Discussão

4 comentários sobre “Humilhada e ofendida: a democracia

  1. Foi indicado pelo Dornelles, primo do Aécio, que está na campanha dele, cujo ex-presidente tucano, Sérgio Guerra, teria recebido alguns milhões, assim como Álvaro Dias, Francischinni e outros tucanos graúdos que a Veja, tão maltratada pela Presidenta, não vaza. Tenho uma dúvida, você concorda com as calúnias, difamações e assassinatos de reputação feitos pela mídia brasileira? Você concorda que às vésperas de uma eleição qualquer mídia pode soltar uma mentira e interferir no resultado e propõe que se deixasse macular, deturpar, interferir no resultado e só depois recorrer, num processo em que o voto é somente digital, sem emissão de comprovante?

    Quanto à suposta agressividade da campanha petista sobre Marina Silva, que usou e abusou de mentiras e calúnias contra Dilma e o PT e se aliou ao que de mais deletério há no país, que vai de um a outro polo desde que veja condições de obter o poder, este sim seu único objetivo, acho que foi resposta à altura somente. Com relação à suposta agressividade a Aécio Neves, só pode ser brincadeira pois há anos, as aves emplumadas têm espaço na mídia pra desbancar o PT, principalmente o ociólogo, que escreve semanalmente um monte de inverdades, posando de paladino da moral e Aécio tem todo o espaço midiático. Dilma tem os 10 min do horário eleitoral enquanto ele 23h50, pois a mídia, todas as mídias escrevem contra o Partido dos Trabalhadores.

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    Publicado por Nilva Sader | 26 de outubro de 2014, 02:43
    • Veja antecipou em 24 horas para influir sobre a eleição. É óbvio. Ela não faria esse investimento considerável se não houvesse eleição. Trata-se de jogada política ou de marketing. A questão principal, porém, não é essa: é saber se o que ela anunciou corresponde à verdade. Ou seja: que o ex-diretor da Petrobrás realmente disse no seu interrogatório à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, na terça-feira, que Lula e Dilma sabiam da corrupção na estatal do petróleo. Se ele disse, a revista não merece a reação que provocou, de intolerância. Se mentiu, vai se expor ao processo que a presidente já anunciou que pedirá (e torvemos para que não mude de opinião depois da apuração dos votos). Se o noticiário corresponde à realidade, aí será a vez do diretor da Petrobrás provar o que disse, a partir de quando teremos algo equiparável a Watergate nos Estados Unidos, 40 anos atrás. Se não mentiu, Veja cometeu pecado venial com sua antecipação, justificável pelo aspecto estritamente mercadológico (mas não pelo eleitoral), com danos minimizados pela tutela judicial ao pedido do PT de cerceamento à publicidade externa da edição. E se forem Lula, Dilma e outros mais que, como Nixon, mentiram? Teremos que torcer também pela existência de fitas gravadas?

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 26 de outubro de 2014, 16:27
  2. Lúcio, o bate-boca socialaite já foi enviado. Dá o Ok.
    um abraço,
    guilherme

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    Publicado por guilherme | 26 de outubro de 2014, 12:46

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