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Cidades, Cultura, Violência

Para vencer o medo

O texto a seguir é uma contribuição da socióloga Marly Silva, professora da Universidade Federal do Pará, para um dos temas mais candentes nas grandes cidades, hoje.

Há pelo menos meio século, intelectuais do continente debatem o que se convencionou chamar de crise das cidades. Jane Jacobs, jornalista norte-americana especializada em crítica de arquitetura, escritora e ativista política, foi pioneira neste debate, tornando-se conhecida através de seu famoso livro Morte e Vida das grandes cidades norte-americanas, publicado em 1961 em Nova Iorque.

O principal argumento apresentado no livro que nos diz respeito é a contestação da ideia de que a paz pública (nas calçadas e nas ruas) se garante basicamente com a presença da polícia. Por mais necessários que sejam os policiais, ela na verdade é mantida pela própria rua, que tem sempre mil olhos abertos – os olhos dos lojistas, botequineiros, vendedores, das pessoas sentadas nos pátios das casas, e simples passantes.

Trata-se, segundo Jacobs, de uma rede intrincada e quase inconsciente de controles entre as próprias pessoas e por elas aplicados. Em outras palavras, é o “agito” da rua, a sua vivacidade, as suas atividades cotidianas, as casas e os espaços públicos ocupados com moradores e visitantes, que afasta a ameaça à segurança.

O projeto Circular-Campina, que neste mês chegou à sua sexta edição com uma versão que me parece mais afinada com propósitos comunitários, é uma experiência interessante para se pensar a tese de Jacobs nos termos da nossa realidade. Os bairros onde o projeto nasceu (Campina, Comércio, Reduto e Cidade Velha) são bairros que “dormem” nos finais de semana para só despertarem na segunda-feira; isso se dá por serem bairros onde prevalecem as atividades comerciais e os serviços institucionais realizados por um contingente de trabalhadores e consumidores na sua grande maioria não residentes.

Quando o projeto Circular ativa o seu circuito de artes, entretenimentos e gastronomia alternativa, através de grupos de pessoas se movimentando entre os espaços culturais dos bairros envolvidos, ele desenha uma cartografia viva de ocupações de ruas , calçadas e praças que na sua ausência permaneceriam completamente vazios de gentes e, por conseguinte, de seus “mil olhos” atentos.

Neste sentido, o que fazer para potencializar os efeitos positivos do projeto para a própria comunidade? Dentre as muitas ideias, uma das mais estratégicas, sem dúvida, seria se os canais de televisão, em especial a TV Cultura do Pará, que é uma rede pública, se juntassem ao projeto no sentido de promover uma campanha que estimulasse os moradores daqueles bairros a integrarem-se às atividades do Circular, sob o argumento de que ao fazê-lo eles estariam de algum modo contribuindo para manter essa rede de controles comunitários que fortalece a segurança de um lugar, das pessoas que nele vivem, na medida em que fortalece os seus laços de vizinhança e amizade.

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