A principal manchete da edição de hoje do Diário do Pará trata da morte do menor Arthur Souza, de 11 anos. Na capa, a foto do estuprador e assassino, Michael Kildere. No caderno de polícia, em tamanho muito maior, a foto da vítima, brincando provavelmente num igarapé, alegre e despreocupada, inteiramente à mercê da maldade alheia.
Fiquei vendo por muito tempo essa foto, desconsolado e desanimado, mas também revoltado, indignado, ferido como pessoa e jornalista. Qual o instinto ruim e o mau profissionalismo que tomou conta do (ir)responsável pela decisão de publicar a foto do menino alegre e brincalhão, morto sob sofrimento atroz, sem a menor condição de resistir ao abuso?
A foto é o componente de maior atração – embora pervertida e antiética – da matéria, de pouco texto, escrito por Camila Barreto. Não é um texto exatamente jornalístico. É mais uma cópia do assentamento policial: burocrático, insensível, desumano.
Não se ouve a família. Não se descreve o cenário do crime. Não se tenta encontrar uma explicação para a barbaridade. Com a foto do estuprador na capa e do estuprado internamente, e um registro por escrito sem vida, cúmplice da sordidez visual, o editor de polícia e o diretor de redação, responsável por tudo, sabem que atrairão o interesse dos leitores. É edição escandalosa para vender jornal a quem cultua o escândalo.
Nenhum advogado vai se oferecer para defender a família da criança? Só tem advogado para defender os ladrões da Petrobrás? A instituição da categoria não oferecerá assistência jurídica gratuita à família? O Ministério Público não se apresentará contra a violação da imagem e dos direitos da pessoa? Uma vez morto o menor, seu nome pode ser escrito por inteiro e sua foto oferecida aos abutres? Não é crime? Não é perversão do jornal?
Senador Jader Barbalho, ministro Helder Barbalho, jornalista Jader Barbalho Filho, Camilo Centeno, Klester Cavalcanti: vocês não se envergonham de estuprar jornalisticamente Arthur Moraes de Sousa? O que fariam se, ao invés de aproveitadores da tragédia alheia como elemento de negócio, o crime tivesse sido cometido contra a sua família?
Eu tenho nojo do que vocês fizeram. Só não abandono a profissão que vocês estão ultrajando para não compactuar com esse crime que cometem, à sombra da omissão de todos, a começar pelo fúnebre sindicato dos jornalistas. Se ninguém levanta a voz, mantenho a minha. Ao menos para que a ignomínia não seja perpetrado sob o silêncio conivente e conveniente.
A situação é realmente aviltante e seu desabafo tem meu apoio. Realmente a edição de hoje do Diário entrará para a história como uma das mais sórdidas, símbolo de tudo o que há de pior no jornalismo paraense.
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Obrigado por seu apoio, Ricardo. Em geral, as críticas à grande imprensa não provocam a reação que seria de esperar. Há o receio de represálias. Mas, como diz o poeta turco Názim Hikimet, que resenhei no Jornal Pessoal, se eu não queimo,/ se tu não queimas,/ quem romperá as chamas”?
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Lúcio, hoje pela manhã, conversava com colegas, atentando que os jornalistas do “Diário do Pará” perderam o pudor pelo dinheiro.
Fico a pensar se essa atrocidade e aproveitamento tivessem ocorridos com meu sobrinho (falecido) que tanto amava.
Eles não possuem respeito e coração. São abutres.
O teu desabafo é meu também.
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Espero que se estenda a toda sociedade, Edney. É preciso devolver aos autores a infâmia que cometem – em graus variados, mas sempre aviltante – todos os dias nessa coisa em que se transformou o Diário do Pará.
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Sempre alentador ter nos seus artigos nossa voz que não encontra espaço no monopólio do jornalismo cretino local.
Não sobrou muito o que descer na baixaria o Diário, a menos que numa próxima edição apelem para a foto de um cadáver de menor também na capa…
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Não tem preço ser leitor e apoiador de um dos raríssimos espaços jornalísticos onde ainda se encontra sensatez, humanidade, sinceridade e humanismo…
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Obrigado, Marlyson. Mas é uma pena fazer essa constatação. O jornalismo do Pará, que já foi um dos melhores do Brasil (o que se traduz pela quantidade de paraenses na imprensa nacional), hoje está no fundo do poço.
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Isso me lembrou outra coisa. Lembras do escândalo recente envolvendo uma professora da UFPA e uma professora da UEPA em que a primeira tinha plagiado o trabalho da segunda? Pois bem, a professora da UEPA conseguiu na justiça que a professora da UFPA, do curso de comunicação, perdesse o título de Doutora (adquirido na UFMG) por conta do plágio. O Liberal só relatou o caso,mas o Diário fez questão de mostrar a foto da professora processada sorrindo como forma de deboche. Não é a primeira vez. Mas esse caso agora foi muito, mas muito pior.
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Não lembrava, Everaldo. O vexame intelectual é nada junto do que sofreu e vai continuar a sofrer por toda vida essa família.
Deu para observar: nenhum advogado nem a OAB, se manifestaram. Nem o MPE nem o MPF.
Nem o sindicato dos jornalistas.
Se alguém tiver acesso à família ou ao local, podia apresentar a sugestão da lápide?
Quanto ao governo, este inexiste.
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Sua indignação é mais do que justa,Lúcio: enobrece a nossa cada vez mais esquizofrênica profissão.
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Ainda bem que continua a haver jornalistas que se indignam, Nemézio. Como você.
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