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Polícia, Segurança pública, Violência

As milícias consentidas

Rodinaldo Sinezio Costa decidiu ir à audiência convocada pela OAB no dia 26, motivada pela chacina da semana passada em Belém na condição de pai do soldado Rafael Costa, de 29 anos. Foi defender a memória do filho, para negar que ele tivesse sido o estopim das matanças que se seguiram à sua própria morte, durante uma operação da Rotam. Rodinaldo disse que “essa guerra” já estava sendo travada antes.

Esse fato é público e notório. O pai indignado não precisava ter feito a afirmativa durante a sessão. Nada acrescentou de novo. Talvez o que ele tenha pretendido mesmo era destacar a declaração dada à imprensa pelo secretário de segurança pública. Antes de qualquer resultado das investigações iniciadas pela polícia (improdutividade que já tem mais de uma semana), o general Jeannot Jansen reconheceu que as execuções provavelmente eram uma retaliação pela morte do soldado, praticada pelos seus colegas de unidade, a temida Rotam.

Essa é a hipótese mais plausível do episódio, que só não se confirmou ainda em virtude da lentidão da investigação policial – por sua dificuldade intrínseca ou em função do espírito corporativo, de acobertamento ou mesmo cumplicidade. O protesto do pai se originava em outra constatação: seu filho morreu cumprindo o seu dever, em troca de tiros com suspeitos de terem cometido um crime. Se a morte ocorreu por falta de sorte ou por imperícia, e se esta tem por causa motivos mais profundos do que o adestramento pessoal, ainda assim a morte em serviço não podia ter dado causa à vingança materializada no morticínio, no abuso do poder de polícia.

O significado mais profundo do protesto do pai do soldado morto diz respeito à ação sistemática e sangrenta de milícias em Belém. Observa-se que a maioria das suas vítimas possui antecedentes criminais, algumas delas com o grave passivo de atacarem ou matarem policiais. Dos alvos com passagem pela polícia, muitos atuam no crime organizado, a partir do tráfico de drogas. Dentre eles, há conhecidos dos policiais, eliminados depois de certo período de convivência aberta ou dissimulada. Provavelmente, nesses casos, o contrato foi rompido unilateralmente.

No meio policial, essa eliminação de bandidos é de pleno conhecimento. O silêncio tácito foi interrompido pelo secretário de segurança depois de mais de três anos em que ele nada disse nesse tom. Pode ser que tenha decidido romper essa atitude de tolerância ou omissão por inadvertência verbal ou para autopreservação. O protesto de Rodinaldo Costa foi o efeito dessa iniciativa.

Discussão

12 comentários sobre “As milícias consentidas

  1. Parabéns, Lúcio, por fazer, neste momento, o verdadeiro papel do homem público que serve ao público ao ser o único que faz a cobertura dessa tragédia paraense. Parabéns e muita saúde!

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    Publicado por Luiz Mário | 29 de janeiro de 2017, 18:38
  2. Parabéns mesmo LFPinto, excelente e precisa análise. #caos

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    Publicado por Amélia Oliveira | 29 de janeiro de 2017, 23:29
  3. Imagino que a fala do pai do soldado, interrompendo o encontro, tenha sido gerada por muita dor e muita indignação, por isso merece ser ouvida com atenção e respeito.
    O que isso me parece significar politicamente é uma grande incompreensão sobre qual o papel do Estado em relação a segurança publica, à corporação policial e a criminalidade nas zonas periféricas e centrais dá cidade.
    O ataque do pai aos ativistas dos Direitos Humanos soa como um sintoma muito preciso denunciando a ausência deresponsabilidade política do governo em relação às violência e barbárie que se veem hoje. É mais fácil atribuir a responsabilidade a quem se posiciona no assunto. Se o poder público não se posiciona, ele não será lembrado.
    Há uma declarada confusão entre a justiça social e a vingança – e nesse caso tem vencido a prática do olho por olho.

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    Publicado por Paloma Franca Amorim | 30 de janeiro de 2017, 08:47
    • O LFP é mais um dos que costuma defender a repressão como “arma” de combate ao “crime organizado”. Já chegou a falar que pessoas que atacam a vida dos outros não teriam direito a “direitos humanos”. Por isso que eu parei de comprar o jornal impresso. Não posso compactuar com este tipo de posição.

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      Publicado por Carlos André | 31 de janeiro de 2017, 10:53
      • Cite o texto em que leu isso, Carlos André.

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        Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 31 de janeiro de 2017, 14:12
      • André, você poderia dizer em qual artigo?

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        Publicado por Paloma Franca Amorim | 31 de janeiro de 2017, 14:18
      • “Os direitos humanos de quem comete um crime terminam quando ele põe em risco concretamente a vida do seu semelhante”. – https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2016/02/23/chega-de-sequestro/

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        Publicado por Carlos André | 6 de fevereiro de 2017, 14:59
      • “Os direitos humanos de quem comete um crime terminam quando ele põe em risco concretamente a vida do seu semelhante”. – https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2016/02/23/chega-de-sequestro/
        A citação prova o quê? Ao escrever a frase, expressei a minha indignação diante da barbaridade cometida contra um ser humano por outro que decide, por seu livre arbítrio e unilateralmente, dispor da vida do outro, o bem mais valioso e o direito mais nobre que temos. Não tenho condescendência alguma com quem pratica uma selvageria dessas. O sequestrador precisa sentir o braço pesado do representante estatal da sociedade, que lhe delega o poder de polícia exatamente para que não permite violações à lei. Dentre elas, o sequestro é uma das formas mais repugnantes. Experimente ver-se nessa condição antes de apontar o dedo reprovador.

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        Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 7 de fevereiro de 2017, 08:48
      • Aí o autor chegou onde eu imaginava. Quer usar como força do seu argumento a interdição da discussão do plano racional, optando pelo aspecto emocional. Ou seja, sugere que eu apenas conseguiria refletir sobre o ato do sequestro caso eu já tivesse sido coagido por um sequestrador.
        Ou seja, admitiu que seu argumento parte do princípio da sede de vingança, e não de justiça.
        Lamentável.

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        Publicado por Carlos André | 10 de fevereiro de 2017, 10:26
      • Não disse nada disso, Carlos André. O que eu disse foi que quando alguém assume o destino sobre a vida de outra pessoa e ameaça eliminá-la, perde os seus direitos. Ninguém pode dispor da vida alheia. Ninguém pode abolir o livre arbítrio do ser humano sobre sua própria vida. Ninguém pode por em perigo a vida dos outros. A lei é clara e justa quando onera os crimes praticados sem permitir o direito de defesa da vítima, submetendo-a a excessos. Sequestro é inaceitável.
        Se alguém coloca uma pessoa como refém e mantém essa atitude diante do poder de polícia sancionada pela sociedade, como se faz em Belém, abusando da graciosidade, entra na linha de tiro. Para isso a polícia deve ter bons atiradores de elite. Caracterizado o risco que o refém corre, quem o mantém nessa condição se torna alvo e deve ser morto se ficar configurada sua disposição de matar a vítima da sua violência.
        É o que penso com clareza. Você pode pensar o contrário. Não o ienterdirei como não interdito ninguém.

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        Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 10 de fevereiro de 2017, 10:33

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