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Cultura

Marés lançantes em versos

Ontem foi o dia mais chuvoso do ano em Belém, concentrado pela manhã. As águas tomaram o leito de numerosas vias públicas, inundaram casas, confinaram pessoas e causaram prejuízo geral na cidade, ampliado pela sua má administração. Até ontem já chovera o equivalente a 70% do que a meteorologia previa para todo o mês de fevereiro. Pode-se ter uma antevisão do que acontecerá nos próximos dois a três meses, no auge do inverno belenense.

Por sorte, a maré lançante só aconteceu à noite, na sede da Academia Paraense de Letras. Foi justamente esse o feliz título que o prefeito Zenaldo Coutinho escolheu para título do cometimento de – cabalísticas – 111 poesias da sua lavra, abordando temas “como infância, saudade, família e morte”, segundo o bondoso – mas nunca risonho e franco – noticiário de O Liberal.

Não foi tão concorrido o evento, a julgar pela foto que o jornal dos Maioranas se permitiu ilustrar a sua prestigiosa terceira página, registrando uma fila de intelectuais à espera do autógrafo. Talvez porque se tratasse de pré-lançamento, dando aos cultores do verso a oportunidade de nova incursão ao lançamento propriamente dito.

O bis acontecerá na noite de amanhã, na igreja de Santo Alexandre, que já foi o templo religioso dos jesuítas e hoje é o ponto de encontro dos colunáveis da cidade – ou notáveis, como prefere o extravagante Bernardino Santos, colunista social da casa.

O imortal João Carlos Pereira, também colunista da folha impressa, observou, no prefácio dessa Maré Lançante de letras, que nas criações do vate municipal o tema que perpassa é a água, transformada em fonte de problemas cada vez maiores para os mais prosaicos moradores da urbe pela inoperância dos seus gestores. O alcaide se permite inspiração mais elevada “nas horas mais extravagantes e difíceis”, quando dá vazão ao tsunami poético.

Era também nos intervalos da sua pretendida operosidade que outro alcaide, o então petista (e hoje psolista) Edmilson Rodrigues, deambulava pelas cores e formas com seus desenhos e pinturas pré-modernistas. Eles teriam permanecido confinados ao autor se alguém não tivesse tido a ideia de fazer uma exposição das obras do gestor e uns tantos e raros fanáticos não as tivessem adquirido, quem sabe, para se vingar de algum desafeto, dando-lhe o presente de grego.

Portanto, ainda há tempo. Amanhã, mais marés lançantes serão autografadas na outrora igreja, agora sacra casa de recepções dos ricos. Talvez seja melhor do que estar à mercê das marés lançantes – não de água furiosa, mas de letras edulcoradas. Escolha, pois, distinto leitor.

Discussão

18 comentários sobre “Marés lançantes em versos

  1. Então está tudo explicado. Ele não faz nada como prefeito por está se dedicando e corpo e alma a nova carreira de poeta. Ele passa o tempo todo com suas rimas e versos enquanto a cidade se transforma no caos. Até parece um famoso personagem da história mundial. Será que há outras similaridades também?

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    Publicado por Jose Silva | 14 de fevereiro de 2017, 14:57
  2. Esse artigo está impagável! E haja alagamentos em Belém!

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    Publicado por Marilene Pantoja | 14 de fevereiro de 2017, 15:54
  3. O Zenaldo poderia se espelhar no seu companheiro de partido, João Doria, e decidir efetivamente trabalhar e aprender como se administra uma cidade.

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    Publicado por Sabino Junior | 14 de fevereiro de 2017, 16:36
  4. Variáveis da mentalidade religiosa, usada na tentativa de aprofundar a imbecilização para manter o status quo. Só falta chamar o papa!

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    Publicado por Luiz Mário | 14 de fevereiro de 2017, 18:27
  5. Estou sem palavras com essa notícia. Me dá dor de estômago.

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    Publicado por Paloma Franca Amorim | 14 de fevereiro de 2017, 21:15
  6. Ou morrem os bandidos políticos profissionais ou morre o povo.

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    Publicado por Luiz Mário | 15 de fevereiro de 2017, 10:15

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