Bernardino Santos, o mais proeminente membro do vasto plantel de colunistas sociais de O Liberal, é um homem afortunado. Sua mãe, a admirável dona Mimi (par perfeito para o marido, Romeu Santos), está se tornando centenária. Continua plenamente ativa, transmitindo sua energia aos próximos e, em particular, ao filho. Bernardino é um dos mais legítimos espécimes do gênero marajoara. Imperturbável, elegante, parece pelo menos 10 anos mais novo do que é.
O açaí deve influir nessa longevidade jovial. Hábito alimentar e prática cultural que se estende pela foz do rio Pará e sobe pelo rio Tocantins. Atinge seu ápice em Igarapé-Miri, a capital do açaí. Seus habitantes são os únicos do planeta que tomam açaí salgado e quente como mingau, às vezes misturado a outros ingredientes.
Ao invés de sobremesa, o açaí é apreciado nas grandes refeições com todos os tipos de comida, em doses isonômicas com o prato principal (na verdade, secundário). Em doses pantagruélicas, como a que consumia o mestre Otávio Mendonça, dos maiores advogados que o Pará já teve. Ele encerrava o expediente noturno com uma latifundiária tigela de açaí – sem açúcar, naturalmente. Depois, dormia como um anjo, coisa rara para um advogado, sempre carregados de culpas. A OAB devia providenciar kits de açaí aos associados.
O açaí deve ter inspirado a memória do nosso Bernardino. Ele lembrou aos seus milhares de leitores que no dia de hoje, em 1863, morria Karl Marx, o pai do materialismo dialético, do comunismo científico e padrasto do “socialismo real”.
Acrescentando mais um dedo de cultura à prosa, Bernardino se despede dos leitores na coluna de hoje com uma frase que atribui a Marx: “O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções”.
Na verdade, a o pensamento integra a sabedoria popular, como parte da fraseologia sem autor definido. No caso a frase não foi usada por Marx, mas pelo filósofo Max Stirner. Stiner era um dos “jovens hegelianos”, presunçosos (embora brilhantes) discípulos de Hegel, monumento da filosofia alemã, que imaginavam ter superado o mestre.
Marx, que também era da turma, decidiu desancá-la, no mais filosófico de todos os seus livros, um cartapácio de mais de 600 páginas, que escreveu entre os 27 e 28 anos, no momento mais elevado da sua atividade crítica.
Ele ironiza, num dos trechos, o uso por Stirner da frase sobre o caminho do inferno. Diz que a estrada para o Único (título e móvel da filosofia anarquista de Stirner) “está pavimentada com más proposições conclusivas, com aposições que são a ‘escala celestial’ (…)”.
Aproveito para sugerir a leitura de A Ideologia Alemã na edição da Boitempo, de São Paulo, editora da paraense Ivana Jinkings, filha do saudoso livreiro Raimundo Jinkings. É a melhor e, até aqui, a mais completa edição das obras (que poderão vir a ser completas) de Marx em português.
Infelizmente, o preço é salgado, situação que sempre cria certo constrangimento diante do que devia ser o ideal: obras de Marx acessíveis ao bolso dos trabalhadores, aos quais ele dedicou a sua vida.
Lamento ter ficado pelo meio do caminho. Mas, seguindo o estímulo de Bernardino, recomendo aos leitores deles e aos meus que sigam esse caminho, que está pavimentado da melhor inteligência.
Lembrando que nada cai do céu, Marx, citando Terêncio com o seu ” nada do que é humano me és estranho”, se torna atualíssimo na Ditadura da Corrupção, tão bem praticada pela corrupta elite e os bandidos políticos profissionais.
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A vida e obstinada obra eurocêntrica fruto da intelectualidae faíscante de Moses Mordechai Lev (Karl Marx), envereda o incauto ao engodo, invisibilizado por correntes ortodoxas.
O legado está na proposição do burguês em estampar a lamúria do proletariado.
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*é estranho
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Uma sábia homenagem. Marx é paradigmático em qualquer geração. Construiu uma obra que atravessou o tempo e permanece (quase que em sua totalidade, salvo algumas avaliações datadas de contexto) atual. Marx segue vivo formando nossos bastidores do pensamento, as metodologias de reflexão necessárias para que possamos dar conta de nosso mundo e de nossa história à luz da razão e de referenciais materiais.
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Lucio, O Berna é o colunista social mais democrático que o nosso jornalismo impresso já abrigou.Meu amigo-irmão não é chegado a distinguir castas sociais.Para ele, literalmente, todos são iguais.Por muito tempo fui colaborador de sua coluna -fosse na época do “Diário do Pará” ou em outros jornais – e pude observar a indiferença com que publica alguma nota de um / uma socialite e uma pessoa do povo.Não faz diferença.Um colega que lhe peça qualquer coisa que seja do seu interesse, o registro de um aniversário familiar , por exemplo, seja até com foto, ele jamais se negará por pruridos sociais que a sua coluna possa ensejar no que se entende por “colunismo social”.O que alguns defendem como uma tribuna livre… dos endinheirados.Ou das hoje chamadas celebridades.Bernardino Santos é um cara aberto ao que possa lhe parecer notícia sem discriminação social.Não faz o seu estilo.Por isso eu o admiro muito.Ele é antes de tudo um jornalista.O colunismo mundano é secundário em sua vida profissional.Escreve sem a preocupação do status de quem elogia ou critica.E por isso mesmo é admirado e respeitado por sua singeleza pessoal.
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O Bernardino, a quem considero bastante, sem dúvida, é bom e generoso. Tanto que distribui títulos de notáveis aos frequentadores da coluna dele.
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Sob qual aspecto a leitura de Marx deve ser estimulada? Onde deu certo?
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Ops…, me esqueci que isso não importa, não faz a menor diferença.
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Sugiro que em paralelo a O Príncipe.
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O data correta é 14 de março de 1883 . Uma morte cercada de muito sofrimento …
Tem muito burgues que gosta de lembrar a morte de Karl Marx , e como gosta !
Eu prefiro lembrar o seu nascimento em 05 de maio de 1818 . Bicentenário em 2018…
Mas “O Liberal” evoluiu . sem dúvida .
Em 1983 quando organizamos um debate na Casa da Juventude em memória ao centenário de nascimento de Marx , o finado jornalista João Malato , também colunista do jornal, escreveu um artigo cobrando serviço da policia federal para prender um ” padre comunista” que estava entre os convidados para falar do tema ” Marx , o economista” (pelo fato de que o padre era formado em economia ). Em três décadas , com açaí ou sem açaí , o jornal evoluiu bastante , não ? (rs)
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Parece que não, Marly. Eu tinha uma coluna ao lado da do Malato, na página editorial do jornal. E nos engalfinhamos várias vezes, sobretudo por causa do assassinato do Paulo Fonteles. Sob Romulo pai havia certa pluralidade. Hoje, é uma voz única – e afônica.
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Essa intensa relação do nativo com o açaí é a maior expressão cultural de Igarapé-Miri, muito embora essa culinária excêntrica, em forma de “mingau quente”, seja comum também em todas as cidades do baixo curso do Tocantins, como Cametá, por exemplo, cidade do professor Otávio Mendonça.
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Mas ninguém no planeta toma açaí como o miriense.
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Ótimo texto, caríssimo Lúcio!! Você está nos instigando a desbravar os caminhos para entendermos o modo de produção capitalista, baseado no processo da Mais Valia. Costumo dizer aos meus alunos: “o dia em que o trabalhador ler e entender o Capital, o mesmo abrirá os seus olhos e enxergará que é vítima de um sistema nefasto e exploratório!”
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Obrigado, André Luís.
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Lucio,
Voce acha que as ideias de Marx ajudam a explicar alguma coisa hoje em um mundo onde a divisao de capitalistas e empregados é tão tênue?
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Agora que o Marx profeta está morto e enterrado, o grande pensador, que reuniu em si todo conhecimento da sua época, volta a ser importante e útil. Marx oi, ao mesmo tempo, grande filósofo, sociólogo, economista e jornalista, além de escrever muito bem, usando na dosagem certa os aforismos e as metáforas. Sua descrição do capitalismo concorrencial é a melhor do mercado. O método de pensamento, um dos mais poderosos. E certos conceitos, como a alienação, primorosos. Vale a pena voltar a lê-lo.
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Obviamente que, para melhor compreender Marx, é de imperiosa necessidade observar que o trabalho (atividade produtiva física e intelectual) é a única fonte de riqueza para o ser humano.
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Também concordo que a edição das obras de Karl Marx da Boitempo está ótima e acessível ao bolso. Agora, recomendo ao “imperturbável e elegante” Bernardino Santos, que “os catarinas” (que assim são chamados os nascidos no estado de Santa Catarina, pelos seus vizinhos gaúchos) de Blumenau estão dizendo que o melhor açaí é o deles. Precavenha-se, pois, o nosso “imperturbável” Bernardino ….
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Depende de que bolso se refere. Lançado em 2007, tem preço de 87 reais.
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Parabéns, Pedro, pela presença. E os comentários.
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A edição está ótima, mas não exatamente acessível ao bolso médio. A Boitempo podia fazer uma promoção para tornar acessível. A editora da Ivana publicou a única tradução completa de A Ideologia Alemã no Brasil. É um livro que se lê com imenso prazer e proveito. Marx é um dos críticos mais mordazes e demolidor que já houve. Arrasa com todos os jovens hegelianos, dentre os quais havia pensadores de primeira linha.
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Quando afirmei que os livros de Karl Marx editados pela Boitempo estavam com preços acessíveis, o fiz com base no mercado de livros brasileiro. Como sabemos muitos fatores entram na composição do seu custo, desde a escala de produção até a usura dos editores. A média nacional da comercialização de livros no ano de 2015, última estatística disponível, é de R$-47,00 reais. Quanto a Ideologia Alemã, de autoria conjugada de Marx/Engels, com mais de 600 páginas – um monumento de papel e de conteúdo – pode até não servir no bolso de muitos leitores, mas vale a pena o sacrifício. Porém, há opção, no sitio da Boitempo você encontra exempar por R$-17,50+frete. São livros usados, todavia bem conservados.
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Mesmo assim, caro Rodolfo, os livros da Boitempo estão entre os mais caros pela média. Infelizmente, o livro brasileiro é mesmo muito caro.
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O tema rende. A título sugestivo, por que então não criar uma coluna no JP no estilo “memórias do cotidiano”, ou seja, uma coluna tipo “memórias de Karl Marx” (que nem aqui no blog de vez em quando), ajudando a preservar os ensinamentos do grande filósofo, sociólogo, economista, escritor culto e jornalista de grande capacidade de descrever o capitalismo concorrencial? Quem sabe seria uma boa coluna para o JP, que venderia mais (dada a repercussão do tema) e os leitores ficariam atualizados dos relançamentos das obras respectivas, não deixando morrer essa notável cultura que tantos benefícios trouxe à humanidade, ainda que sempre mal-entendida? O JP iria “bombar” prestando um serviço público literário para tirar os jovens da alienação. Apenas uma sugestão.
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A sugestão é boa. Vamos tentar medir a sua viabilidade pela receptividade no blog.
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E já não está medida?
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Ainda não.
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Talvez para encerrar precisamos seguir Marx, que escreveu: a única certeza que eu tenho é que eu não sou Marxista!
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Eu também não. Mas o Lúcio e muita gente por aqui são. Tanto que se mencionar Adam Smith é capaz de ser hostilizado sem piedade – se é que marxista que não leu (e quando leu não entendeu Marx) iria entender Smith.
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O grande duelo intelectual que Marx travou, no plano econômico, foi com Ricardo, um dos maiores economistas daquele tempo – e de sempre.
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Foi uma frase de fim de festa, quando Marx tinha gerado um marxismo tão deturpado e depravado quanto o trotskismo, com o qual Trótski pagou – e caro – pelos seus erros. Marx disse, já na velhice: se isso é marxismo, eu não sou marxista. Podia repetir a frase ad nauseam.
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Não só Tróstki, Lucio, não só Tróstki…
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É verdade. Há outros exemplos. Como o de Lévi-Strauss e o estruturalismo, Freud e a psicanálise lacaniana et caterva. Ou Jung.
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