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Justiça, Política

Os donos do poder

Marcos Antonio das Neves encerrará melancolicamente o seu mandato como chefe do Ministério Público do Pará, transmitindo, na segunda-feira, o cargo a Gilberto Valente Martins, o primeiro promotor a exercê-lo. Desfecho triste, sim, mas não incongruente com o que fez o procurador-geral de justiça do Estado.

Como tem sido a regra na república brasileira, o chefe faz da instituição um instrumento do seu projeto pessoal. Neves queria que o seu sucessor fosse o promotor César Mattar. Parecia que ia conseguir esse objetivo. Foi ao governador para acertarem a escolha.

Numa flagrante afronta à independência entre os poderes da república, é o chefe do poder executivo  quem nomeia todos os chefes dos demais podees e dos quase-poderes, mas cheios de cargos a dispor sem concurso público e verba nem sempre sujeita ao devido controle.

Simão Jatene ouviu tudo que Marcos Antonio tinha a lhe dizer. Segundo uma fonte palaciana, ficou rouco de tanto ouvir, sem gastar saliva com aceitação ou promessa. Mas o chefe do MP saiu do encontro certo de que se o seu delfim vencesse a eleição, na qual, pela primeira vez os promotores puderam votar e ser votados, ele seria sacramentado.

César Mattar ganhou por boa diferença de votos sobre Martins. A festa da vitória foi calorosa. Um dia antes de decidir o contrário, Jatene chamou Marcos Antonio e lhe disse que, infelizmente, ia escolher o candidato da oposição, segundo colocado na eleição geral. A razão: Mattar não tinha currículo para assumir a função. O do seu oponente era brilhante. Ia prevalecer o mérito.

O já ex-aliado ainda insistiu demoradamente. Durante mais de duas horas tentou convencer o governador a voltar atrás e cumprir o que o chefe do MP entendeu ter sido um acordo, em retribuição aos serviços que prestara ao tucano.

O maior deles: não autorizar o procurador Nelson Medrado e o promotor militar Armando Brasil denunciarem o governador por improbidade administrativa. Jatene seria – e foi – acusado de favorecer o filho, Alberto, dando-lhe o fornecimento de combustível para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Beto teria faturado cinco milhões de reais com o presente.

Saindo furioso da frustrante conversa, o procurador-geral de justiça deixou para os últimos dias do seu mandato a reversão vingativa: se antes protegera o governador se recusando a autorizar o procedimento, agora iria autorizá-lo, o que fez na quarta-feira passada.

Automaticamente, Medrado e Brasil se veriam livres do inquérito administrativo instaurado contra eles no MP paraense e poderiam suprir a exigência da juíza responsável pelo processo. Kátia Parente queria extinguir a ação porque os dois autores não seriam competentes para instaurar o processo contra o governador, que tem privilégio de foro. Por isso mesmo Jatene questionou a presença de ambos à frente da ação perante o Conselho Nacional do Ministério Público, que ainda não deliberou a respeito.

O novo procurador-geral assumirá o cargo na segunda-feira com essa batata quente inaugural. Se retirar a autorização, se desmoralizará. Mantendo-a, desagradará quem o nomeou. Os palacianos certamente dirão que ele apunhalou seu padrinho, tornando-se um traíra.

O desafio será ótimo. As pessoas passam, as instituições ficam. O rei-sol da França achava que o Estado era ele. Parece que os chefes dos poderes no Pará ainda não se convenceram de que a monarquia acabou no Brasil, substituída por essa república que está aí. Devem, pois, ser lembrados pelo personagem para cujo benefício deviam se empenhar os que respondem pelas instituições: o povo.

Discussão

11 comentários sobre “Os donos do poder

  1. Esse procurador geral foi iludido fácil pelo Jatene. Foi cozinhado em banho maria com a promessa de que teria a devida recompensa com a nomeação do seu sucessor.
    O novo procurador geral já começa os trabalhos entre a cruz e a espada. Vai barrar a investigação ou ajudar quem lhe nomeou?
    Aposto que do jeito que essa justiça é, vai rolar uma mão amiga.

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    Publicado por SANDERSON ARAUJO | 7 de abril de 2017, 11:16
  2. “Numa flagrante afronta à independência entre os poderes da república, é o chefe do poder executivo quem nomeia todos os chefes dos demais podees e dos quase-poderes” … precisa dizer mais alguma coisa??

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    Publicado por Adejard | 7 de abril de 2017, 12:15
  3. Feliz dia do jornalista, Lúcio. E obrigado por nos manter sempre bem informados.

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    Publicado por Paul Nan Bond | 7 de abril de 2017, 19:02
  4. Feliz dia do jornalismo, também é o que lhe desejo.

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    Publicado por Frederico Guerreiro | 7 de abril de 2017, 19:03
  5. Os bandidos só têm razão quando se acusam?

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    Publicado por Luiz Mário | 7 de abril de 2017, 23:15
  6. Sem o LFP certamente tais “retratos” de nosso Pará não seriam conhecidos, Parabéns “uirapurú” ,
    Pará: mudar é preciso..

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    Publicado por valdemiro | 8 de abril de 2017, 07:43
  7. Eu se fosse esse procurador, pediria aposentadoria imediata e iria passear nas areias de Algodoal. Terá o nome maculado para sempre. Há duas razões: (a) tentou emprenhar o sucessor; (b) teve conduta ética deplorável após descobrir que não conseguiu o que queria. Em qualquer outro lugar civilizado, seria banido do serviço público.

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    Publicado por José Silva | 10 de abril de 2017, 00:38

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