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Justiça, Política

O destino de Lula

Em 2011 a Garnero transportou e armazenou em São Paulo os presentes que Lula recebeu durante os oito anos em que ocupou o cargo de presidente da república. A conta da despesa de armazenagem, apurada até 2016, quando o fato se tornou público, somou 1.3 milhão de reais. Foi paga pela Construtora OAS.

Paulo Okamoto, que cuida das finanças do ex-presidente e é também presidente do Instituto Lula, não nega esse fato, mas sustenta que ele não configura “vantagem indevida”. A empreiteira pagou a incrível conta de armazenagem como medida “de proteção ao patrimônio cultural brasileiro”.

No entanto, Lula não transferiu esse patrimônio ao povo brasileiro. Guardou-o para si. Se sempre pensou nessa destinação, por que deixou a construtora, que realizou tantas obras caras durante o seu governo, assumir a despesa?

O caso exemplifica à perfeição a confusão (ou promiscuidade) que Lula sempre fez entre o que é dele e o que é público. Entre a sua moralidade particular e a moralidade coletiva. Entre sua concepção particularista de ética e o que define as relações entre quem exerce um cargo delegado pelo povo e a população diretamente considerada.

Ao fazer essa confusão e colocar todas as coisas no mesmo balaio, o ex-presidente acabaria por se dar mal. Do caso de armazenagem ele se livrou (junto com Okamoto) por falta de provas. Mas deu-se mal com a sentença que hoje lhe aplicou o juiz federal Sérgio Moro, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, aplicando-lhe a pena de nove anos e meio de prisão.

É uma decisão sólida, que se estende argumentativamente por 238 páginas maciças. O juiz reconhece que não há materialidade do crime. A escritura do imóvel que deu causa ao delito, o famoso triplex do Guarujá, em São Paulo, ainda está em nome da OAS.

Mas adverte Moro: ação não é cível, é criminal. Ela não foi instaurada para arguir sobre a existência ou não de dominialidade do bem. Existe para apurar criminalmente se houve corrupção e lavagem de dinheiro. E isto o julgador demonstra exaustivamente que houve.

Como a relação em causa é de criminalidade complexa, tem valor maior a prova indiciária. Ela é difusa e profusa no processo. Exigiu uma investigação meticulosa e hábil. Foram muitas as manobras para ocultar a transação ilícita da empreiteira com a autoridade máxima do país.

Um pequeno exemplo:  Lula utilizava o celular de um dos seus seguranças, o 1º tenente Valmir Moraes da Silva, para escapar ao monitoramento do qual ele tinha plena ciência de que sofria. E assim se comportou sempre, compartimentando a sua vida para quebrar todas as conexões com ele e manter-se numa redoma, enquanto seus amigos e aliados caíam pelo caminho, sem contar sequer com a solidariedade do chefe, especialista em se livrar de responsabilidades, inclusive as inerentes ao cargo público que exerceu.

O problema é que o esquema era similar em todas as empreiteiras. Na OAS, o “departamento de operações estruturadas” da Odebrecht era a “área de geração ou controladoria”, responsável pelo “repasse de vantagens indevidas”.

As destinadas a Lula, segundo o endosso do julgador, a partir das acusações do Ministério Público Federal, somaram 3,8 milhões de reais, ou 3% dos quase R$ 90 milhões que constituíam a “conta corrente geral de propinas” aberta em nome do PT.

Era preciso mantê-la, sustentou outro condenado, Agenor Medeiros, diretor de óleo e gás da OAS, porque a empresa “tinha que realizar negócios com um governo corrupto”.

Condenado em 1º grau, Lula ainda tem três instâncias do poder judiciário a que recorrer para provar que não é verdade, para dessa maneira poder assegurar a ameaçada continuidade da sua carreira política, que pode chegar ao fim com a confirmação da sentença do juiz singular pelo primeiro colegiado que receber aa apelação de Lula. Assim é na democracia. Ao contrário de ser atingida pela sentença de Moro, ela foi confirmada.

Discussão

31 comentários sobre “O destino de Lula

  1. Perfeito!

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    Publicado por Suely Abrungoda | 12 de julho de 2017, 20:35
  2. Tenho outra percepção. Se não há materialidade, não há crime. Tudo se restringe a suposições. Condenar alguém assim é deplorável.

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    Publicado por Ricardo Conduru | 12 de julho de 2017, 21:05
  3. É inevitável não lembrar o que aconteceu com Vaccari, que teve uma condenação até maior e depois foi absolvido por falta de provas…

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    Publicado por Ricardo Conduru | 12 de julho de 2017, 23:18
  4. Lúcio. Parabéns pela análise dos fatos. percepção correta.
    Já a opinião do Conduru é deplorável. Já pensou quantos assassinos estariam soltos. O Corpo da Eliza Samudio nunca foi encontrado, então o goleiro Bruno deveria está solto, pela sua “percepção”?. Você pelo visto não entende nada do conceito de “prova”, existem provas: testemunhais, documentais, pericial, depoimento de testemunha, etc. enfim, o próprio conceito de “prova” : é todo elemento pelo qual se procura mostrar a existência e a veracidade de um fato. Elemento de prova: todos os fatos ou circunstâncias em que reside a convicção do juiz.
    Você deveria Lê as 238 páginas da sentença, você veria que sua “percepção” não se sustenta. Amigo, não tenha bandido de estimação.
    Reflita, pois, a democracia pode ser definida como o império da lei. E ninguém, seja quem for, um parente, um amigo, um político, todos, inexoravelmente, devem se curvar aos ditames da Lei.
    Eu tenho dito aos amigos do PT isso é bom para vocês, pois, só assim outras lideranças surgem, como, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo.
    O Lula com a sua imposição destruiu as lideranças regionais, veja, o caso, do Pará, o Puty tentou disputar para o governo do Pará, mas, a imposição do PT nacional obrigou o PT do Pará a não ter candidatos majoritários, e assim, se sucedeu em grande parte do País.
    …..Era uma vez uma construtora que gastou milhões na reforma (demolição de um quarto, retirada da sauna, instalação de elevador, ampliação do Dek da Piscina, Cozinha gourmet, Armários personalizados, etc.) de um apartamento, a pedido de ninguém, para não oferecer a ninguém, talvez pelo simples prazer de gastar, jogar dinheiro fora……….

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    Publicado por Valdenor Brito | 12 de julho de 2017, 23:48
  5. Diante de tantas provas concretas envolvendo os homens que hoje dominam o país o caso de Lula, onde não existe materialidade, chega a parecer surreal. O presidente FHC,arrolado como testemunha, foi depor e disse na lata de Sergio Moro que o armazenamento de suas tralhas ocorreu da mesma forma e bem antes do lançamento oficial de seu Instituto já havia arrecadado cerca de 10 milhões junto as mesmas empreiteiras. Quem sabe por isso, ouvindo a diretriz de seu Partido, Sergio Moro tenha inocentado Lula e Okamoto no caso do Instituto Lula. O curioso é que não vejo e nunca vi questionamentos morais e éticos sobre a conduta de FHC.
    Abrir um processo acusando Lula de obstrução de justiça por um telefonema entre ele e Dilma, grampo que deveria ter a autorização do Supremo, que foi vazado estratégicamente para insuflar o impedimento de Dilma e foi condenado por Teori Zavaski, mas sem nenhuma punição ao Juiz, isso pode! Juca, Renan e Machado falaram coisas que o mínimo que podemos dizer é que conspiravam para derrubar um governo eleito, diante da conversa deles, o diálogo de Dilma e Lula parece uma conversa singela. tambem não custa nada lembrar que desde a posse de Dilma para o segundo mandato já era noticiado que Dilma queria Lula no ministério e ele relutava em aceitar. Não custa lembrar que Juca foi sequer convidado a depor, sarney foi, talvez por ter as afirmações menos comprometedoras.
    Temer tá solto e é presidente, Jucá, Renan, Aecio, Eunício, estão no Congresso, Padilha e Moreira são ministros, Serra se finge de morto, a familia do Aécio foi para rua todos com provas materias e contundentes. Os crimes da era FHC e do estado de São Paulo e Minas prescrevem, e Lula é o grande criminoso do país.

    O problema do Brasil é que pau que bate em Chico sequer passa perto de Francisco e dessa forma não há como crer na justiça, especialmente essa de Sergio Moro, é só lembrar a forma afetuosa como convive com os criminosos de seu Partido.

    Como diziam os modernistas “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”

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    Publicado por Paulo Cidmil | 13 de julho de 2017, 00:30
    • Se o acervo de presentes acumulados por Lula tem importância para o patrimônio cultural do povo brasileiro, por que ele ficou armazenado por cinco anos? Com o valor do custo, de R$ 1,3 milhão, daria para levá-lo para o Instituto Lula, lá arquivá-lo e montar uma exposição que permitiria ao público conhecê-lo. FHC conseguiu até muito mais dinheiro para fazer o mesmo. Só que o acervo não ficou armazenado pagando uma taxa pesada.
      Moro não viu dolo na relação, ao menos com as provas apresentadas pelo MPF. Por isso, inocentou os envolvidos. Mas havia outras conexões entre a OAS e Lula, que situavam o pagamento da armazenagem um item no conjunto de saques na conta corrente da propina. Não era um ato isolado.
      Concordo que se deve cobrar prestação de contas desses institutos e fiscalizá-los em cima.
      Já saíram três enormes volumes dos diários de FHC na presidência. Um documento único na historiografia nacional e rara na mundial. Continuo a lê-lo com proveito.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 13 de julho de 2017, 17:19
  6. Esta foi uma boa noticia do Brasil para o mundo. A percepção global é que nunca ninguém é condenado neste país tropical, muito menos um ex-presidente que conta com o apoio irrestrito de 30% dos brasileiros e brasileiras. Moro fez um trabalho correto e bem fundamentado. Lula tentou sim de todas as formas ridicularizar todo o processo com suas bravatas. Em outro pais ele já estaria preso são pelas bravatas. Creio que será muito difícil uma instância superior não manter a perna leve dada pelo Moro. O MP acha que a pena foi branda e vai recorrer. Veremos.

    Sobre os outros bandidos da coligação PT-PMDB. A hora deles chegará.

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    Publicado por Jose Silva | 13 de julho de 2017, 01:50
  7. Quando Lula for definitivamente encarcerado e com direito à delação premiada, já não haverá mais tanta importância. Seguindo assim a prática dos bons costumes da Tradicional Família Brasileira.

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    Publicado por Luiz Mário | 13 de julho de 2017, 09:37
  8. O que temos no processo? A palavra de Léo Pinheiro e a do Lula. Empate! Testemunhas a favor e contra Lula. Empate! Provas cabais como documentos assinados, uso do apartamento, entrega de chave, etc. Não há! Logo…

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    Publicado por Ricardo Condurú | 13 de julho de 2017, 10:58
  9. Já li, caro Lúcio. Minha citação é tão somente um resumo direto. Como se percebe, o texto infere interpretações diversas. Esperemos a manifestação da segunda instância. Não estamos em uma queda de braço por pura pirraça. As próprias divergências existentes entre juristas renomados demonstram a complexidade do fato. O que não se pode é insinuar, por quem quer que seja, que os que discordam da sentença são intransigentes ou possuem pouco conhecimento do processo. Que a justiça prevaleça!

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    Publicado por Ricardo Condurú | 13 de julho de 2017, 12:56
  10. Percebe-se a dificuldade de certas pessoas em aceitar opiniões diversas. Fogem do debate apelando para ofensas. O que esperar de uma pessoa que não tem coragem nem de se identificar?

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    Publicado por Ricardo Condurú | 13 de julho de 2017, 15:02
  11. Não poderia deixar de comentar esse artigo surreal(mais um) de LFP.
    Que ocupa metade do texto para um comentar uma suposta contravenção anistiada pelo imparcial de Curitiba. Ou seja, acredita no magistrado quando condena, e desacredita quando inocenta. A torcida deveria ser deixada de lado nesse momento e ter serenidade e cautela perante a todos os abusos cometidos. Independente da culpabilidade, foi uma derrota da justiça pela maneira que foi julgada a coisa. Pra terminar a ópera buffa, uma sentença pra lá de lunática, onde a “culpa” do Presidente é alguém que ele indicou ter roubado.E que tenha dado a contrapartida quando o réu nem era mais “servidor público”. Não vale a pena comentar que por várias vezes cita reportagens jornalisticas como indício de que Lula era o dono oculto do imóvel.Nem os delírios de que a culpa foi Lula não ter mudado o sistema eleitoral brasileiro,que não prendeu Lula porquê não quis,etc,etc…é delírio puro!
    Bom essa palavra “surreal” é a que melhor retrata o momento. Termino indicando impressões de juristas especialistas no assunto, que possam trazer de volta a capacidade de pensar…

    http://www.tijolaco.com.br/blog/fernando-hideo-lacerda-disseca-sentenca-de-moro/

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    Publicado por Vitor Castro | 13 de julho de 2017, 15:19
    • Também sou inteiramente a favor que falem os juristas. Mas pelo menos me dei ao trabalho de ler e reler com atenção toda sentença. Disponho-me a aprender com você se você a analisá-la combatendo o que ela diz, com citações do texto que leu ou análise dos seus principais pontos. Não vale falar genericamente, pelo alto, sem descer ao texto. Aí nem surrealismo é, mas adivinhação, psicografia, metalinguagem, esoterismo.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 13 de julho de 2017, 18:04
  12. Prezado Ricardo Condurú,

    Para seu questionamento a resposta estaria em um dos elementos constitutivos da Sociologia da Reeleição.

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    Publicado por Luiz Mário | 13 de julho de 2017, 17:59
  13. Caro José Silva,

    Não tens ideia da envergadura que possui minha ânsia em apresentá-la. É tanta e tamanha, que venho sugerindo o LICEU JP, como espaço para tal condição, pois acredito que o jornalismo é a ciência que nos colocaria a passos contra a tentativa de congelar o tempo, de parar a História. Como num deprimente “Eterno retorno” tupiniquim.

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    Publicado por Luiz Mário | 14 de julho de 2017, 11:14
  14. Aliás, José,

    Sinto-me muito honrado por seu esforço, junto ao Lúcio, quanto à abertura do espaço.

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    Publicado por Luiz Mário | 14 de julho de 2017, 11:21

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