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Imprensa, Sem categoria

Fim e recomeço

O anjo torto que condenou o poeta Carlos Drummond de Andrade a ser gauche na vida me aplicou a mesma sentença. Tenho vivido à esquerda do poder, do aparato institucional, dos dogmas, das doutrinas, dos partidos.

Sempre fui esquerdista nesse formato, mas nunca marxista, embora (ou justamente por causa desse fato) tenha lido grande parte da imensa obra de Karl Marx. Ele me influenciou como filósofo. Mas me afastei do profeta de uma libertação utópica reduzida a tiranias na sua aplicação prática, pelo vício autoritário de origem.

Renunciei ao mestrado e doutorado na USP, que tão generosamente Oliveiros Ferreira me ofereceu. Renunciei à carreira acadêmica nos Estados Unidos. Abandonei o futuro jornalístico em São Paulo. Voltei à minha terra, dela fazendo minha opção definitiva.

Empunhei a minha versão da bandeira amazônica e me entrincheirei no menor tamanho possível que um jornal pode ter para manter um front com a maior autonomia e independência possíveis nesta selva selvaggia.

Navegando contra a corrente, me tornei um outsider completo. No percurso dessa navegação, meu barco se miniaturizou e minha força se aquebrantou. Cada novo passo à frente foi seguido por uma dúzia de passos atrás.

Esse afunilamento me levou a fechar mais uma vez as portas do Jornal Pessoal, cedendo aos prognósticos (e às dificuldades reais) sobre o fim do jornal impresso em papel. Abri as portas da versão virtual para um site, que foi às nuvens no início deste mês.

Neste momento, comunico aos meus leitores que o projeto não deu certo. Poucas pessoas se dispuseram a pagar 13 reais por mês de assinatura pelo acesso integral aos produtos do site. O acesso caiu bastante comparativamente aos blogs. Os comentários, muito mais.

Parece que as pessoas se viciaram na gratuidade dos blogs ou não valorizam o jornalismo neles praticado a ponto de comparecerem ao caixa para uma remuneração mínima pelo serviço informativo recebido.

Há ainda a hipótese de que a necessidade de se identificar tenha afastado muitos dos que preferem permanecer no anonimato. Por fim, houve perda de interesse pela fronteira amazônica. Há ainda um componente negativo nas falhas e deficiências de formatação do site, agravando os fatores inibidores das assinaturas.

O resultado demonstra mais uma vez duas verdades pessoais: sou um péssimo empresário; estou condenado a ser gauche na vida. Essa condição me tem sacrificado muito. O desgaste é proporcional ao avanço do tempo, o meu e o da história.

O mundo atual, ao qual tento inutilmente me adaptar, não me agrada. E as bandeiras de luta, que ameaçam me enlaçar, parece que me acompanharão até o fim do percurso. Tento até, mas não consigo me desvencilhar dessas. Então é melhor continuar a fazê-las tremular ao vento – ou à tempestade.

Assim, reabro os blogs sem fechar o site, agora também de livre acesso. Para que esse volver perdure, espero que os assinantes voluntários se apresentem para a contribuição necessária à sobrevivência deste espaço e os colaboradores retomem a sua participação, reforçados por novos cidadãos dispostos a dar um apoio maior a esta empreitada.

Quanto ao Jornal Pessoal em papel, estou procurando uma nova forma de fazê-lo ressuscitar e caminhar de novo, ainda que num ziguezague de bêbado equilibrista.

Conseguiremos voltar a caminhar juntos por uma rota justa?

É o desafio.

Discussão

19 comentários sobre “Fim e recomeço

  1. Liceu “JP”, já!

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    Publicado por Luiz Mário | 31 de janeiro de 2019, 12:09
  2. Caro Lúcio, acompanho a tua luta quase solitária contra os desmandos de governos e seus prepostos , denunciando também seus atos que contrariam os interesses do povo e da sociedade que juram servir.

    Já te dei uma sugestão uma vez, mas creio que não houve muita receptividade.
    Como são muitos os leitores do Jornal Pessoal que não tiveram o cuidado e o zelo do Zé Carneiro de colecionar todas as edições, mas que gostariam e até se arrependem de não tê-lo feito – que tal considerares a ideia de editar por blocos uma coleção dos principais assuntos abordados em reportagens inéditas do Jornal Pessoal, como o assassinato dos deputados Paulo Fontes e João Batista, abordando inclusive os possíveis mandantes, entre outros temas de grande repercussão e que só saíram no Jornal Pessoal, por motivos óbvios, ou seja, o comprometimento e o rabo preso dos grandes grupos de comunicação do Pará.

    Falei sobre isso com o Zé Carneiro e sugeri até que ele tratasse contigo sobre a viabilidade desse projeto editorial, de cujo sucesso eu, por exemplo, não tenho a menor dúvida. Nem a propósito, a Folha lançou com grande sucesso uma edição especial chamada Pós-Tudo – 50 anos de cultura , com os principais destaques da Folha Ilustrada desde de 1958.
    Do
    Francisco Sidou
    ________________________________

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    Publicado por Francisco Sidou | 31 de janeiro de 2019, 13:40
  3. Lúcio,
    Sempre me surpreendeu a decisão de Ulisses de rejeitar a juventude e a imortalidade só para voltar à Ítaca e para os braços da sua Penélope, talvez não surpreenda os gauches.
    Quem sabe você tem o cacoete de empunhar a bandeira amazônica, como o menino, do poema de Manoel de Barros, tinha cacoete pra poeta? No poema, o menino era esquerdo e observa um pente que perdeu a personalidade, que não servia nem pra pentear macaco, e “ enxergava o pente naquele estado terminal”. Alguma semelhança?
    Sou leitora há anos do Jornal Pessoal, o Zé, da banca de revista da Praça Brasil, mandava levar o jornal pra mim lá no TRT, bem em frente. Vou sentir muita falta disso tudo: do jornal, da minha alegria em receber cada nova edição, da gentileza enorme do Zé. Acho que virei uma romântica ou quem sabe começo a ver pentes que não penteiam nem macaco!
    Quanto à assinatura, não consegui fazer, mas recebi um e-mail com orientação e vou tentar novamente, é um valor mínimo pra obter informações tão valiosas.
    Abraços,
    Cristina Gemaque

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    Publicado por CRISTINA | 31 de janeiro de 2019, 14:20
  4. Sr. Lúcio, enviei um e-mail, nele perguntei se havia ASSINATURA SEMESTRAL e qual seria o valor?
    Não tive resposta.

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    Publicado por Antonio Rocha | 31 de janeiro de 2019, 14:45
  5. Lúcio, o tanto de dinheiro que se gasta para ter dois JPs em um mês (baixíssima relação custo/benefício) não lhe ajuda a lamentar o insucesso de mudanças, nem o desinteresse dos leitores, mas a falta de profissionalismo de marketing. Entregue nas mãos de gente mais especializada nisto. Gente que vende as coisas.

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    Publicado por J.Jorge | 31 de janeiro de 2019, 15:49
  6. Lúcio,
    sou um desastre em internet. Tentei fazer a assinatura no teu site e nada consegui.
    Pedi ajuda ao meu filho, Mauro e só após 2 tentativas, conseguimos.
    Assinei por 3 meses que é o prazo máximo que o site aceita.
    Como “sócio fundador rsrs” das tuas publicações também voltarei à delas, participar.
    Alegro-me muito com a possibilidade da ressurreição do JP

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    Publicado por Ronaldo Passarinho | 31 de janeiro de 2019, 16:26
  7. Caro Jornalista,
    Uma das característica dos que nascem nesta terra é a capacidade de resistir.
    Resistimos às intempéries, às carências, à carestia, ao deszelo, omissão, corrupção e desprezo dos que podem fazer a diferença e não fazem. Enfim, recorrendo ao memorável Gonçalves Dias em I Juca Pirama,:
    “IV
    Meu canto de morte,
    Guerreiros, ouvi:
    Sou filho das selvas,
    Nas selvas cresci;
    Guerreiros, descendo
    Da tribo tupi.
    Da tribo pujante,
    Que agora anda errante
    Por fado inconstante,
    Guerreiros, nasci;
    Sou bravo, sou forte,
    Sou filho do Norte;
    Meu canto de morte,
    Guerreiros, ouvi.

    Meninos, eu vi”

    tenho que incentivá-lo a lutar, mesmo que o fado dos tempos insistam o desistir.
    Talvez, precises de melhores assessores do que nós outros, de paciência e estratégia.
    Por exemplo eu tentei a primeira vez fazer a assinatura, mas algo que não ,lembro impediu.
    Talvez tenha sido o valor, que vc foi buscar de forma técnica, inocente ou com muito humor. O 13 não é de bom fim. Quem manda agora é o 15 ou 17. Quem mandará amanhã?
    Minha sugestão permanece, pois juntaria a sua capacidade jornalística, o analista arguto e tempestivo, com a ansiedade de participação do público, fazendo comentários.
    Então, discuta com seus travesseiros ou chapéu do Prof. Pardal, a diversas ideias que lhe foram passadas e suas conclusões. Reitero a minha sugestão, acrescentando o sistema de assinatura, on-line, mais moderno e prático. Quem quiser no papel, imprima em sua casa ou escritório.
    Sugestão:
    1) O jornalista lança o tema, comenta e abre o debate, no blog aberto.
    2) Em um prazo determinado, não sei qual sugerir, ou até ser lançado outro tema, os leitores fariam seus comentários e debates. O jornalista fecha os debates e abre outro tema.
    3) O jornalista os receberia, mas, salvo exceções de praxe ou para dar um esclarecimento, não responderia de imediato os comentários.
    Para não sr bitolado, poderia entrar com temas urgentes, entre os mais elaborados.
    4) O Jornalista processaria os comentários mais interessantes ao seu ver, sobre os quais poderia fazer suas ilações, com direito a resposta em outra edição, e, junto com adicionais informações, faria um artigo mais completo. No conjunto de todos os temas que foram possíveis processar, surgiria o Jornal Pessoal no blog de assinantes, tendo como anexo os comentários dos leitores.
    5) O Jornalista haveria de contratar um bom profissional para tornar mais prático seu blog de conteúdo, o assinado, onde estaria disponível o Jornal Pessoal da quinzena (ou semana, quem sabe?), sua biblioteca de números anteriores, artigos e pesquisas, etc. etc…
    Lembre-se sempre do guerreiro Tupi: não pode desistir, mesmo que pareça a hora de se acomodar com seus velhos desejos que ficaram de lado durante sua trajetória de trabalho e lutas.

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    Publicado por JAB Viana | 31 de janeiro de 2019, 17:08
  8. Avalio que a maior falha da atual investida, além das dificuldades de acesso para assinar enfrentadas pelo menos hábeis, foi a falta de contato com seu público. O Blog aberto não pode ser fechado de imediato, nem que seja para fazer ganchos de chamada para o blog assinado.
    Não perca seus contatos.

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    Publicado por JAB Viana | 31 de janeiro de 2019, 17:14
  9. Confesso que tentei pelo menos umas duas vezes assinar o site, mas não consegui. Vou tentar de novo. Um abraço.

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    Publicado por Allan Santos | 1 de fevereiro de 2019, 08:33
  10. Cada tentativa que faço para assinar o site surge um obstáculo novo. A opção de colocar o Estado não abre. A opção de cartão de crédito vira PayPal que não sei o que é. A vida virtual não é fácil. Prefiro a vida real como a Cristina bem definiu. Que vivam as bancas. Como quando o pai Januário anunciou a volta do filho Luiz na música do Rei do Forró, eu grito: “viva nosso senhor Jesus Cristo”.

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    Publicado por Pedro Pinto | 1 de fevereiro de 2019, 20:46
  11. Somos analógicos tentando sobreviver no novo mundo digital.

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    Publicado por Jab | 1 de fevereiro de 2019, 22:00
  12. Lúcio, é com pesar que aceitamos sua saída das bancas de jornais e revistas. O momento é difícil para a imprensa grande em todas as partes de mundo, imagine então para os pequenos (em tamanho) como o JP? Havemos de compreender. As dificuldades que você tem enfrentado ao longo de tantos anos não são poucos. De minha parte, e sei que muitos concordam comigo, seu jornalismo é ainda muito necessário. Informação de qualidade, com profundidade e analítica ainda são raras, especialmente no nosso estado do Pará. Espero que você continue lutando contra as adversidades, na medida em que seu limite como ser humano permitir e não que comprometa sua vida particular (difícil pra você, eu sei) e principalmente sua saúde, para manter este espaço aqui no rede virtual. Para tanto, espero que muitos leitores se disponham a acompanhar e apoiar seu trabalho.
    Já que é o momento de ninguém soltar a mão de ninguém, que todos segurem as mão do Lúcio. Precisamos dele e ele precisa muito de todos nós.

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    Publicado por Charle Coimbra | 15 de fevereiro de 2019, 10:24
    • Obrigado, Charle.
      Depois de idas e vindas, minha conclusão (mesmo que provisória) é de que esse tipo de jornalismo que ainda pratico só sobreviverá com o decidido apoio dos leitores. Comprando o jornal impresso em papel e dando contribuição financeira ao blog, para que ele sobreviva com leitura gratuita.
      Isso é possível? Parece que não. Mas a resposta definitiva, quem a dará será o leitor.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 15 de fevereiro de 2019, 11:37
  13. Querido Lúcio, vivo na França, seu chileno, e sigo os seus blogs e guardo números do JP impresso em papel em cada oportunidade que posso revisitar Belém.
    Agora, estou a fazer uma lista de fundos de instituições que poderiam ajudar a la continuação impressa do seu excelente trabalho, anterior e presente: fundos de conservação de documentão e arquivos; de cultura imaterial; de história da imprensa. Espero algumas respostas e envio pra você com proposta de ajuda pra fazer as postulações, em caso de interés. Deja, muito obrigado e desculpe o meu portugnol.

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    Publicado por Victor Aliester | 27 de março de 2019, 12:18
    • Seu nome me traz à memória Victor Jara, o grande artista executado pela ditadura chilena. Eu o conheci poucos dias antes do golpe. Lembro-o até hoje.
      Não tenho recorrido a esses fundos por um excesso de escrúpulos, por considerar que devo me manter sob independência absoluta. Em alguns contatos e em alguns casos concretos, fiquei com a sensação de que havia um índex não declarado, muito sutil. Mas obrigado por sua iniciativa. Aguardo sua manifestação.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 27 de março de 2019, 18:07

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