O governo federal pretende lançar o edital de licitação para a construção de uma nova estrada no Acre entre os dias 10 e 15 deste mês. Aparentemente, é uma obra menor. Terá 200 quilômetros de extensão, ligando Cruzeiro do Sul, que fica 630 quilômetros a oeste de Rio Branco, a capital do Estado, a Pucallpa, no Peru. Seu orçamento ainda não foi definido, mas o presidente Jair Bolsonaro, defensor da obra, anunciou que já estão disponíveis 45 milhões de reais para começar a implantação.
A simplicidade da iniciativa é mesmo apenas aparente. O Acre é, proporcionalmente, o Estado com mais predomínio de floresta da Amazônia. Abriga algumas das espécies de maior valor, devastadas no Pará, em Rondônia e Mato Grosso. Por causa dessa densidade florestal, o Acre tem sido mais ou menos protegido de atividades que exigem desmatamento, como a pecuária e o cultivo de soja, incluindo rodovias.
Cruzeiro do Sul é o ponto extremo de uma das mais destrutivas das estradas de integração nacional, a BR-364, que começa em Cuiabá. Ela levou à descaracterização de Rondônia como característico território amazônico, disseminando propriedades agrícolas e pecuárias, minifundiárias ou latifundiárias, ao longo do seu trajeto.
As grandes rodovias, em seu ciclo de mais de 70 anos, iniciado no final da década de 1950, com a Belém-Brasília e a Brasília-Acre, se caracterizou como a maior ameaça à integridade da Amazônia. Quando se intensificou a pressão para a conclusão do asfaltamento de outra dessas estradas troncais, a Santarém-Cuiabá, organizações não governamentais e o próprio Banco Mundial elaboraram um plano de uso sustentável no eixo de mais de 1,5 mil quilômetros da BR-163. Assim, se poderia evitar o desmatamento incontrolado e a violência, duas das marcas dessas intervenções nos “espaços vazios” amazônicos.
Foi em vão. Logo a região incorporou as mesmas características, com grilagem de terras, invasão de áreas de conservação e indígenas, muitos conflitos e mortes.
O isolamento de parte da Amazônia e a sua distância dos principais centros econômicos do país sempre são motivos utilizados pelos defensores de estradas, a construir ou melhorar, independentemente de seu balanço – entre prós e contras – ser negativo. É o mesmo motivo a justificar os 200 quilômetros de Cruzeiro do Sul a Pucallpa. Os acreanos poderiam economizar três mil quilômetros de frete e complicações para importar mercadorias do sul do Brasil.
Na década de 1980, a chefe do departamento de recursos naturais da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), Clara Pandolfo, uma técnica respeitada, se opôs à implantação de três fazendas de gado no Acre, por total incompatibilidade com a área, toda de floresta. Mas o superintendente, Elias Sefer, queria aprovar os projetos, apoiados pelos incentivos fiscais. Seu argumento: o Acre ainda não fora contemplado com uma fazenda, ao contrário dos outros Estados. Não mandou mais os projetos para a apreciação do setor especializado e aprovou as fazendas.
O Acre merece mais cuidado e atenção do que simplesmente atender reivindicações justas em tese. Além do mais, com a pressa que o governo Bolsonaro tem, ainda nãos e sabe se o governo peruano fará a sua parte para a integração do Estado brasileiro até o litoral do Pacífico, abrindo uma nova rota de desenvolvimento.
Dos 200 quilômetros da estrada, 110 serão em área peruana. O governo local já tem muitos problemas na sua agenda, incluindo críticas por favorecer a destruição dos recursos naturais da sua parte amazônica. Vai continuar nesse rumo, aliando-se a um vizinho truculento?
A construção de uma Ferrovia não seria menos danoso.
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Mas não há projeto de ferrovia.
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Lúcio, pela BR 364 já se pode chegar até a fronteira com o Peru. Inclusive, sem passar por Cruzeiro do Sul e nem Mâncio Lima. A rodovia segue por Rodrigues Alves.
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Até onde s\ei, a 364 termina mesmo em Cruzeiro do Sul. A nova estrada parte daí na direção do Parque Nacional da Serra do Divisor (esta é uma das duas unidades de conservação ameaçadas, mais duas terras indígenas), no vale do Juruá, até Puccallpa,, passando por Mâncio Lima, até o Rio Azul, na fronteira com o Peru, numa região de floresta densa. Muitos anos atrás, estive na serra, que, como o próprio nome diz, separa os dois países. Gozando os brasileiros, os peruanos diziam que sugavam
petróleo por baixo da serra.
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