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Terras, Violência

Bala matou Expedito, não o poeta

Expedito Ribeiro, negro, lavrador, pai de 10 filhos, comunista – foi uma das pessoas mais doces e gentis que conheci. Era o que o fazia poeta em meio a tanta violência, brutalidade e injustiça na sua vida cotidiana numa das áreas mais tensas do país, à margem as estradas, no sul do Pará. Neste agosto, ele faria 74 anos. Morreu, porém, 30 anos atrás, assassinado. Não pôde ver seu primeiro livro, editado pelos amigos da capital. Tiraram o seu corpo de circulação. Não eliminaram a sua terna lembrança na memória dos que o conheceram.

Em sua homenagem, partilho o artigo que Rogério Almeida postou ontem no seu blog, Furo. Vale a pena conhecer o Expedito que não morreu.

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Expedito, lavrador, negro, sindicalista e comunista das terras do Araguaia

A execução do sindicalista somou 30 anos em fevereiro. Em agosto ele somaria 74 anos. Em setembro professores lançam projeto de captação de recurso que busca recuperar parte da memória dos Mártires da Terra no Pará. 

Expedito Ribeiro de Souza é semente da terra das bandas das Gerais, Valadares. Cedo correu o trecho. O filho de lavradores (João e Maria) apeou nas ilhargas do Goiás, antes de alcançar as terras do Pará. Em Goiás, berço da criação da União Democrática Ruralista (UDR), – o braço armado dos fazendeiros -, trabalhou de meia.

Aos 19 anos já era casado com Maria Macedo, com que teve dez rebentos. Em plena ditadura, sentou praça nos beirais do Araguaia. Terra de valentia. Terra encharcada de sangue de campesinos, cidade de Rio Maria. Ribeiro sabia do risco que corria, assim assuntou sobre a questão:

Cova funda neste leito

Cova que ele quer

Eu não te quero

Cova de cemitério

Cova que quer do mundo dos vivos

De quem tu queres engolir

Para depois engolir

Cova do medo

Eu tenho medo de ti

Os versos fazem parte do poema Cova do Medo, do livro O Canto Negro da Amazônia, lançado pós morte de Expedito, ocorrida em fevereiro de 1991. O conterrâneo de Drummond era homem de poucas letras, todavia, aprendeu a ler e escrever. O negro do PC do B, possuía afeto pelo versejar. Assim, exprimia suas angústias, a sua leitura do mundo na condição de homem sem terra.

Um ano antes de sua execução, Riberio havia selecionado versos de cordel para concorrer em um concurso cultural da Fundação Tancredo Neves. Ficou em terceiro lugar, conta o jornalista Lúcio Flávio Pinto, na apresentação do livro do sindicalista.

Sobre o ativista da reforma agrária em terra tão temida, o jornalista, ao mobilizar Drummond, assim define Expedito, “Uma flor que nasceu no meio de asfalto, amarela que fosse, mas flor, um produto do milagre humano”.

O professor Raul Navegantes, à época da execução de Ribeiro, coordenador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), sobre a publicação, explica a iniciativa, “movido por dois sentimentos: o da revolta diante de mais um assassinato, que quiçá, terá por conclusão a impunidade, e do sentimento de participação que dá ao primeiro maior legitimidade e pungência”.

Navegantes foi relevante par de utopia junto aos camponeses da região do Araguaia no projeto do Centro Agro-ambiental da Araguaia (CAT), que teve como ponta de lança o professor natural da Bélgica, Jean Hébette, que por mais de 30 anos somou nas pelejas junto aos camponeses.

O nome do respeitado pesquisador do campesinato da fronteira amazônica hoje nomeia a Escola Família Agrícola (EFA), de Marabá.

Ainda sobre a viabilização do livro sobre Expedito, a pesquisadora Marcionila Fernandes, que no período do assassinato do ex presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria cursava o mestrado no NAEA, e estudava a UDR, contribui na obra na construção da biografia de Expedito, e com uma entrevista sobre o delicado cenário da luta pela terra na região do Araguaia. 

A mesma pesquisadora foi responsável por uma entrevista que integra o livro de poesia de Ribeiro. Nela o dirigente nomeia fazendeiros, pistoleiros, grupos paramilitares, e as fazendas eivadas por grandes conflitos e mortes.

Sobre a perda de seus pares de luta, assim poetizou Expedito sobre  a execução do advogado Fonteles:

Morreu deixando a história

De um incansável lutador

Deu sua própria vida

Pelo povo sofredor

Foi um grande combatente

Em defesa de sua gente

Injustiçada e sofrida

Tendo uma sorte infeliz

Sofrendo neste país

Espoliado e oprimido.

Em uma tentativa de arrumação de documentos há muito esquecidos em caixas, deparei-me com o livro de Expedito. E, aqui o compartilho a quem interessar possa. AQUI

Em par com um monte de gente das mais diferentes formações, filiações, laços de amizade e parentesco de dirigentes e assessores que foram assassinados no processo de luta pela terra no Pará, em uma grande ciranda animada por mim e o professor Elias Sacramento (UFPA), buscamos produzir um livro sobre os Mártires da Terra.

A obra objetiva recuperar parte desta saga no estado do Pará. Ainda em setembro lançaremos o projeto de captação de recurso para viabilizar o livro.

O caso de Expedito é narrado pelo sobrinho e historiador, José Ribeiro.  

Discussão

4 comentários sobre “Bala matou Expedito, não o poeta

  1. Lúcio, assumi à Presidência da Assembleia Legislativa, em 31 de janeiro de 1991. No início de fevereiro o Expedito foi assassinado.
    Recebi uma Comissão de deputados, entre eles o futuro deputado Newton Miranda. Imediatamente fretei um avião para levar quem fosse indicado a Rio Maria.
    Sempre visceralmente contrário a qualquer violência repudiei publicamente a barbara execução do Expedito.
    O Paulo Fonteles, assassinado anos antes já me havia falado do Expedito.
    Abração

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    Publicado por Ronaldo Passarinho | 31 de agosto de 2021, 15:01
  2. Obrigada , Lúcio, pois nos lembrar de Expedito , esta figura emblemática do movimento camponês , e nos informar desta bela iniciativa do Elias Sacramento . Vamos colaborar como este projeto de publicação !
    Lembrei dos livros de José de Souza Martins que nos fala desta longa historia de lutas , resistências e mortes violentas dos camponeses-migrantes que vieram para o Pará em busca da terra prometida …mas que aqui esbarraram em um inimigo mortal chamado estado brasileiro , que através da SUDAM entregou as terras às grandes empresas madeireiras , agropecuárias e mineradoras que levaram à destruição das matas, dos rios e das gentes .

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    Publicado por Marly Silva | 31 de agosto de 2021, 20:49
  3. Lembro dele em Rio Maria, pois morei lá aos 1986, e quando ele foi assassinado eu estava em Conceição do Araguaia.
    Em meio a tantos assassinatos, essa covardia comoveu a população da região.
    Assisti ao julgamento e condenação, em Belém, do ex-prefeito Laranjeira e Nenê Simão. Infelizmente latifundiário não fica preso, contudo ambos tiveram fim melancólico.
    Indico a obra do padre Ricardo Rezende, Rio Maria Canto da Terra.

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    Publicado por Erick | 1 de setembro de 2021, 15:55

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