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Política

Lula, verborragia e gafes

Folha de S. Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acumulava uma série de gafes desde o período da pré-campanha eleitoral. Agora soma a elas nesta semana um palavrão em uma entrevista ao vivo e as ilações sobre a relação dos EUA com a Lava Jato e o que chamou de “armação” do senador e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil).

Como mostrou a Folha, a verborragia do petista tem deixado o campo do folclore político e passado a preocupar aliados e integrantes do governo.

Nesta quinta (23), Lula afirmou achar ser “uma armação” de Moro o plano do PCC para atacar o ex-juiz da Operação Lava Jato. Plano esse descrito por seu próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, e alvo de uma operação da Polícia Federal com ao menos nove suspeitos presos.

Dias atrás, Lula já havia se tornado alvo de críticas de opositores em redes sociais por declarações dadas sobre escravidão e obesidade. Gafes, no entanto, se acumulam desde a campanha, no ano passado.

Relembre gafes e ilações recentes de Lula:

ILAÇÃO SOBRE MORO (23.MAR.2023)

Lula afirmou nesta quinta (23) achar ser “uma armação” do senador Moro o plano do PCC descrito pela Polícia Federal para atacar o ex-juiz da Operação Lava Jato.

“Eu não vou falar porque acho que é mais uma armação do Moro. Quero ser cauteloso, vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”, disse o presidente.

Moro reagiu: “O senhor não tem decência?”

A ameaça contra o senador foi descrita pelo próprio ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), ao divulgar a operação da PF contra a facção criminosa nesta quarta (22).

“Mas isso vou esperar. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Acho que é mais uma armação. E se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que ele vai fazer da vida se continuar mentindo do jeito que ele está mentindo”, afirmou Lula, em visita ao Complexo Naval de Itaguaí (RJ), onde é desenvolvido o programa do submarino nuclear da Marinha.

O presidente expôs suspeita sobre a atuação da juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na condução da Lava Jato na Justiça Federal de Curitiba e responsável por assinar os mandados de prisão.

“Vou pesquisar o porquê da sentença. Fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele.”

ILAÇÃO SOBRE EUA E LAVA JATO (21.MAR.2023)

Na terça, em entrevista ao site esquerdista Brasil 247, Lula disse que Operação Lava Jato foi orquestrada em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras.

“Tenho consciência de que a Lava Jato fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça”, afirmou, confundindo o Poder Judiciário e o órgão equivalente ao Ministério da Justiça nos EUA.

Ele já havia feito tal ilação sem provas antes, inclusive tentando levantá-las na Justiça brasileira, com o mesmo argumento apresentado na terça. “Era para destruir. Porque as empresas da construção civil brasileira estavam ocupando espaço no mundo inteiro”, afirmou.

Lula desconsidera que só a Petrobras recebeu quase R$ 7 bilhões de volta em acordos de leniência, repatriação e colaboração de empreiteiras e outras firmas envolvidas com corrupção apurada pela Lava Jato.

PALAVRÃO AO VIVO (21.MAR.2023)

Na mesma entrevista ao 247, nesta terça, o petista lembrou que, quando estava preso, dizia que “só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro“, em referência ao ex-juiz que o sentenciou à cadeia.

Não foi o primeiro palavrão público usado por Lula em sua carreira política, longe disso, como o episódio em que chamou o então presidente Itamar Franco de “FDP” em 1993 lembra. O emprego do recurso, algo que aconteceu pontualmente em seus primeiros mandatos, tornou-se comum no governo de Bolsonaro.

OBESIDADE DE FLÁVIO DINO (15.MAR.2023)

Lula falou sobre a obesidade do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), em um evento público e foi alvo de críticas de opositores em redes sociais.

Lula classificou a obesidade como uma doença que causa tanto mal quanto a fome, sendo necessário cuidado do Estado para este problema, e disse que Dino agora estaria se exercitando, andando de bicicleta, por estar acima do peso.

“Aqui ninguém está com excesso de magreza, a não ser o nosso poeta. O restante está tudo com um pouco de obesidade, que também é uma doença que nós precisamos cuidar. A nossa médica que é ministra da Saúde sabe perfeitamente bem que a obesidade causa tanto mal quanto à fome. E por isso que o Flávio Dino está andando de bicicleta, porque ele sabe que isso vai precisar que o Estado cuide com muito carinho desse mal”, disse.

ESCRAVIDÃO X MISCIGENAÇÃO BRASILEIRA (13.MAR.2023)

O presidente Lula foi alvo de críticas ao relacionar escravidão com a miscigenação brasileira.

“Resolveram contar a história que os índios eram preguiçosos e, portanto, era preciso trazer o povo negro da África para produzir nesse país. Ora, toda a desgraça que isso causou ao país causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação. Da mistura entre indígenas, negros e europeu, permitiu que nascesse essa gente bonita aqui”, afirmou o petista enquanto visitava a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

ASSOCIA CAPIAU DO INTERIOR A PESSOA IGNORANTE (23.SET.2022)

Em setembro de 2022, Lula se referiu a Bolsonaro como “ignorante” e associou esse termo ao “capiau do interior de São Paulo”, o que pode ser considerado mais um deslize do petista na campanha eleitoral.

As declarações foram dadas em sabatina com o apresentador Ratinho, no SBT, num momento em que Lula criticava o atraso do governo Bolsonaro na compra de vacinas da Covid-19.

“É uma estupidez de alguém que é um pouco ignorante, é o que ele é mesmo, um pouco ignorante. Aquele jeitão bruto dele, de capiau lá do interior de São Paulo, aquele capiau de Registro [no Vale do Ribeira], bem duro assim, bem ignorante”, disse Lula.

“Porque tem gente que acha que ser ignorante é bonito e não é. O que é bonito é você ser educado, ser um cara refinado como eu”, seguiu.

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES (20.AGO.2022)

Em comício realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o petista cometeu uma gafe ao condenar a violência contra as mulheres. “Quer bater em mulher? Vá bater em outro lugar, mas não dentro da sua casa ou no Brasil, porque nós não podemos aceitar mais isso.”

[Com essa declaração, Lula vai levar o troféu Paulo Salim Maluf, autor de outra preciosidade a respeito: “Quer estuprar, estupra, mas não mata”]

Esse trecho do discurso foi levado à televisão pela campanha de Bolsonaro na propaganda eleitoral para atacar o petista.

Em abril, durante ato da pré-campanha, Lula chegou a afirmar que Bolsonaro “não gosta de gente, ele gosta de policial” —e se desculpou aos policiais pela declaração no dia seguinte.

CHAMA SEQUESTRADORES DE ‘MENINOS’ (17.JUN.2022)

Uma fala de Lula sobre sua atuação para a extradição dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, ocorrida há mais de 23 anos, virou nova munição de Bolsonaro e seus aliados contra o petista na corrida eleitoral pelo Palácio do Planalto.

Durante um ato político em Maceió, Lula relembrou em discurso como intercedeu junto ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1998, para que atendesse às reivindicações de oito presos por aquele crime.

Na época, o grupo de sequestradores estava havia 46 dias em greve de fome e ameaçava iniciar uma greve seca, com a interrupção de ingestão de água. Sete estrangeiros pediam a extradição para seus respectivos países (Chile e Argentina), e o brasileiro, transferência para seu estado de origem (Ceará).

O episódio já era conhecido, e a fala foi feita pelo petista para ilustrar sua antiga relação com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época ministro da Justiça de FHC.

“Depois de uma longa conversa com o Renan, ele disse: ‘Lula, vai conversar com o Fernando Henrique Cardoso que eu tenho toda disposição para mandar soltar o pessoal’. Fui ao Fernando Henrique Cardoso: ‘Fernando, você tem a chance de passar para a história como um democrata ou como um presidente que permitiu que dez jovens que cometeram um erro morram na cadeia’”, relatou o petista na ocasião.

“Ele disse: ‘Se você conversar com eles, e eles acabarem com a greve de fome, eu solto eles’. Eu fui na cadeia no dia 31 de dezembro e falei com os meninos: ‘Vocês vão ter que dar a palavra para mim e garantir que vão acabar com a greve de fome agora e vocês vão ser soltos’. Eles respeitaram a proposta, pararam a greve de fome, foram soltos e não sei onde estão agora.”

POLICIAL X GENTE (30.ABR.2022)

Em abril de 2022, Lula cometeu uma gafe sobre policiais no momento do discurso em que fazia uma série de críticas a Jair Bolsonaro (PL).

“Hoje temos um presidente que não derramou uma lágrima pelas vítimas da Covid ou com a catástrofe que houve em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Ele não tem sentimento. Ele não gosta de gente, ele gosta de policial. Ele não gosta de livros, ele gosta de armas”, disse o petista na ocasião, em um evento com mulheres na zona norte de São Paulo.

No dia seguinte, Lula pediu desculpas pela fala.

Naquela semana, Lula afirmou que o mundo “está chato para cacete” e pesado porque todas as piadas viraram politicamente erradas. “Então não tem mais graça. Se você quer dar risada é nesses programas de humorismo chatos pra cacete na televisão”, disse o petista.

MANDA MILITÂNCIA PRESSIONAR FAMÍLIAS DE DEPUTADOS (06.ABR.2022)

Em abril de 2022, Lula foi criticado por defender, em evento da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que a militância sindical procurasse deputados e seus familiares na casa deles para pressionar a favor de propostas que interessassem ao setor em um eventual governo petista a partir de 2023.

“Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas na casa, não é para xingar não, é para conversar com ele, com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele, surte muito mais efeito do que fazer a manifestação em Brasília”, disse naquele momento.

VANTAGEM DO CORONAVÍRUS (20.MAI.2020)

Em 2020, Lula afirmou que o surgimento da pandemia do coronavírus foi positivo para alertar o governo Bolsonaro sobre a importância de um Estado forte para conter o avanço da crise econômica.

O petista falou sobre o tema em uma entrevista à revista Carta Capital.

“O que eu vejo? Quando eu vejo essas pessoas acharem que tem que vender tudo que é público e que tudo que é público não presta nada… Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus, porque esse monstro está permitindo que os cegos enxerguem, que os cegos comecem a enxergar, que apenas o estado é capaz de dar solução a determinadas crises.”

PALAVRAS DA DISCÓRDIA NA CAMPANHA DE LULA

Tesão
Aparece em um raciocínio que virou uma espécie de bordão, quando Lula diz que, apesar de ter 76 anos de idade, está com “tesão de 20”. Ele usou a analogia para destacar sua vontade política de transformar o país. Militantes se incomodaram por considerar o termo depreciativo para o conjunto das mulheres, com perpetuação de estigmas como a submissão feminina

Índio
O termo é visto como desrespeitoso. O mais recomendado é falar “indígena” (ou “povos indígenas”, quando a referência for ao conjunto dessa população). Lula passou a usar as palavras indicadas depois de conselhos, mas ainda comete deslizes. Em abril, ao prometer criar um ministério para a área caso fosse eleito, disse que ele “terá que ser [assumido por] um índio ou uma índia”

Escravo
Ativistas da causa racial afirmam que a expressão reduz as vítimas de escravidão a uma condição perene e ignora sua subjetividade, amenizando o fato de que foram submetidas forçadamente a esse processo. Por isso, recomendam a substituição por “escravizado”. Lula disse em 2021 que, na visão da elite após a abolição no Brasil, os negros “deixaram de ser escravos para virar vagabundos”

Escurecimento
A palavra foi usada pela apresentadora do evento que oficializou a chapa com Alckmin, no último dia 7. Ao dar uma explicação ao microfone, a cantora Lika Rosa anunciou: “Quero aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento”. Ela, que é parda, diz que a mudança foi iniciativa sua, como manifestação por mais representatividade. Bolsonaristas ridicularizaram a fala e atacaram o PT

Picanha
A carne é usada por Lula como exemplo de uma prosperidade que ele promete devolver aos brasileiros mais pobres. Embora continuou em seus discursos, a referência passou a ser acompanhada de menções ao consumo de vegetais e à agricultura orgânica, após reclamações de apoiadores que militam pelo veganismo e pelos direitos dos animais

Eu melhorei meu discurso. Não falo só do pessoal voltar a comer churrasco, mas também o pessoal vegetariano, que não come carne, poder comer uma boa salada orgânica, estimularmos uma agricultura mais saudável no nosso país

Lula (PT), pré-candidato ao Planalto

no Twitter, em fev.2022

Negro como vítima
A fala de Lula, no podcast de Mano Brown em 2021, de que “há uma evolução política dos negros […] adquirindo a consciência de que não basta ficar achando que é vítima”, foi repudiada por membros do movimento antirracista. Eles viram reforço ao discurso de vitimismo, tido como simplista por transferir para os alvos de preconceito a responsabilidade sobre a opressão

Discussão

2 comentários sobre “Lula, verborragia e gafes

  1. Tudo isso pode desaguar num efeito colateral: a ressureição e absolvição do Bolsonaro.

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    Publicado por igor | 24 de março de 2023, 12:06
  2. Moro copiou o personagem do Robert de Niro em “Culpado por Suspeita”, quando no tribunal inquisitorial do Macartismo, com o juiz, forçando a barra pra que ele dissesse que Dorohy Nolan era comunista, sem paciência berrou: “Não tem vergonha? ela está morta…”

    Curtir

    Publicado por José Otávio Figueiredo | 24 de março de 2023, 16:27

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