Paulo de Faria, teatrólogo e cronista
Semana passada fui conhecer a Casa Rua Nazareno Tourinho, inaugurada em janeiro do ano passado, pela prefeitura do Edmilson Rodrigues.
Um prédio histórico, em frente ao antigo Corpo de Bombeiros, ao lado da Academia Paraense de Letras, que, por sua vez, é ao lado do Colégio Paes de Carvalho.
Antes passei na Casa Espírita Nazareno Tourinho, na Campos Sales para confirmar o endereço do espaço homônimo “Fica ao lado da academia de letras.” Segui minha caminhada pela praça.
Adoro chegar ali pela Aristides Lobo. Depois daquela rua estreita, explode aquela imensidão de praça vazia. Conheci como era no início dos anos 1970, para onde fomos morar na dita Aristides Lobo. O gostoso de andar na praça pelo calçadão lateral, do outro lado do quartel, é a vista dos casarões que se entrelaçam num belo conjunto arquitetônico, ainda conservado, por vezes bem mal das pernas, ou quase abandonado.
Não há calçadas por dentro da praça, em diagonais ou transversais, somente quando se chega em frente ao colégio, onde fincaram uns concretos, com pretensão a escultura. Não devemos esquecer, para entender, que tudo aconteceu na ditadura militar brasileira. E foram tantos crimes. Destruíram o Grande Hotel, a fábrica da Palmeira, o reservatório de ferro da Campina, o trilho, o trem e a antiga estação ferroviária, que dialogava arquitetonicamente com o Mercado de São Braz. Para citar alguns casos.
A Casa Rua leva o nome de um dos importantes nomes da literatura e da cultura paraense, premiado e membro da Academia Paraense de Letras (APL), Nazareno Tourinho, que morreu em 2018, aos 83 anos.
As obras literárias do homenageado ficaram conhecidas pela dedicação à vida da população em situação de rua. Tive o prazer de atuar num texto do Nazareno, Amor de Louco Nunca é Pouco, com a atriz Diva Flexa e direção do José Maria Vianna, O autor ia sempre aos ensaios. Um privilégio. Depois trabalhamos juntos na Assessoria de Imprensa do Banpará. Ele á era um senhor de cabelos brancos. Um homem alto, sorridente. E que morava na Campos Sales.
Me criei no bairro da Campina. A praça da Bandeira tinha no centro um conjunto escultórico, parecido com o da praça da República, só que bélico, com o mesmo piso de azulejos hidráulicos, ornando com o quartel militar, que sempre me remeteu aos palácios da milícia espanhola de filme ou HQ do Zorro. Este prédio faz par arquitetônico com o do antigo Corpo de Bombeiro.
Em volta do antigo espaço central da praça, um campo vazio e bem cuidado pelos militares. Com mangueiras e sombras. Ali se jogava bola, queimada, peteca, empinavam-se papagaio, curicas e rabiolas, faziam-se exercícios. E logo que chegamos ali, do nada, demoliram tudo e fizeram quase a mesma coisa, só que de concreto armado. Toneladas de concreto. E construíram o novo mastro da bandeira, gigante, assim como a própria bandeira.
Moramos ali por 2 ou 3 anos, o tempo da construção da nova velha praça. Lembro que à noite, íamos brincar de esconde-esconde e outros jogos. No canteiro da construção íamos matar o calor mergulhando nos camburões com torneiras. E tínhamos que voltar secos antes da novela das dez.
Sempre que passo ali entro um pouco no colégio Paes de Carvalho para sentir aquele ar, ler as placas, sempre tem uma nova. Estou numa dos ex-presidentes do Centro Cívico do século passado.
Até há pouco tempo, onde é a Casa Rua, tinha um monte de portinhas e serviços. Xerox, lanche, foto 3X4, barbearia etc. Cheia de placas numa medonha poluição visual, malconservada, caindo as eiras e beiras. O prédio foi lindamente restaurado e reformado.
Fui entrando e subi as escadas. Alguns homens dormiam pelo chão da sala. Um assoalho de madeira, como muitos na Cidade Velha e Campina. Passava um pouco das quatorze horas. Tinham almoçado e faziam a sesta. Achei aquilo incrível. Lembro que na minha infância esses pisos de madeira, em cima de porão enorme, era o lugar mais fresco e gostoso pra se deitar, fazer a sesta.
“João, vamos acordar, vai começar a atividade”. Era o coordenador, Thyago Rezende, muito simpático e acolhedor. E logo se fez uma roda dos moradores em situação de rua – chegaram mais outros, com alunos e professores de um curso de terapia ocupacional. Encaminhou a roda de conversa e veio me recepcionar gentilmente. Mostrou-me a Casa. Um espaço fundamental pra acolher e oferecer coisas básicas, como alimento, descanso, banho, tratamento médico e atividades culturais. Higienizado e bem equipado. Conectar essa população empobrecida com ações de cidadania e cuidados. Redução de danos.
Ali estava o amigo Cleber Cajun, com seu palhaço. Ele trabalhou comigo em São Paulo, com o projeto De Braços Abertos e Fomento ao Teatro. Deu oficina no fluxo dos usuários, na Cracolândia, onde tínhamos um teatro, sede do Pessoal do Faroeste.
Fiquei encantado em conhecer o projeto Casa Rua. Um acerto da prefeitura. A melhor forma de recuperar o centro e diminuir a violência é cuidando do maior patrimônio que uma cidade pode ter, o ser humano e seus direitos. E o centro é o coração de toda cidade. Que venham mais projetos assim. Parabéns!
Acabou de entrar na minha lista de lugares para conhecer.
Também morei muitos anos na Aristides Lobo, quase duas décadas, quando nos mudamos, em 1986. Foi muito bom ler esse texto, obrigada por me fazer relembrar dessa época.
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Obrigado, Cristina Gemaque, pelas palavras e que bom que o texto tenha chegado até você e em suas memórias. Não deixe de ir visitar a Casa. Segunda, agora, dia 29, às 19h30 estarei lá, passarei um documentário meu,produzido na cracolândia em SP. Depois terá um bate papo. A semana toda terá uma programação Arte loucura. Bom FDS
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que tardia homenagem ao homem mais sincero que encontrei e conheci em belém do pará
comungo com os e as leitoras deste blog esta que era uma de suas formas literárias utilizadas, a trova:
FRANQUEZA
zangado ou tendo prazer
quando entrar num conflito
nunca deixe de dizer
o que precisa ser dito
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