(Texto de setembro de 1979)
O que faz uma grande empresa de computadores da Europa instalada no interior da Amazônia? Essa pergunta foi feita por algumas pessoas quando a Nixdorf Computer AG, há dois anos [em 1977], comprou duas fazendas – A Aldeia Desenvolvimento Agroindustrial Limitada e a Companhia Agropecuária São Salomão – com um total de 48 mil hectares, espalhados entre Conceição do Araguaia e Santana do Araguaia, no sul do Pará.
Até então, a Nixdorf só fizera computadores na sua sede, na Alemanha, na Europa e nos Estados Unidos. Não tinha qualquer tradição no ramo agropecuário e madeireiro. Ao criar no Brasil a Nixdorf Comércio e representações Ltda, seu interesse estava ligado ao mercado de minicomputadores, que, no ano passado, movimentou 300 milhões de dólares e poderá chegar a US$ 700 milhões em 1980. Três empresas foram selecionadas pela Capre (Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico) para disputar esse mercado, entre elas o grupo Labo/Brasilinvest.
A Nixdorf entra na história vendendo tecnologia para a Labo/Brasilinvest, empresa formada pela associação do banco de negócios Brasilinvest, presidido por Mário Garnero, om o grupo Forsa. Nu futuro, a Digibrás, uma holding estatal, participaria também da associação. A Nixdorf, pelo que se pode deduzir, não estava interessada apenas em fornecer tecnologia, mas especialmente em instalar uma fábrica de minicomputadores no país. Mas, ao menos na primeira tentativa, não teve êxito.
Decidiu então se desviar para o interior da Amazônia. Três hipóteses são levantadas para explicar o interesse por um novo tipo de negócio. A própria empresa diz que, atraída para o Brasil depois que os ministros Reis Veloso e Mário Henrique Simonsen (do Planejamento e da Fazenda) estiveram em Salzburgo, promovendo uma feira sobre investimentos no país, decidiram instalar-se na Amazônia “para participar do desenvolvimento da região”. Essa conversa nós já ouvimos várias vezes.
A segunda hipótese é de que a Nixdorf dispunha de certo volume de dinheiro em ociosidade e para evitar o imposto, o aplicou na Amazônia. Mas também se admite que ela está apenas esperando o momento para construir a sua fábrica de minicomputadores. Na espera, faz qualquer negócio.
Sob o argumento de que a habilidade manual da mulher da Amazônia é superior à da alemã (e, naturalmente, recebendo menos dinheiro), instalou uma fabriqueta de ramal (ou chicote) de computador em Redenção, recentemente transferida para Conceição do Araguaia, em instalações maiores e mais confortáveis. Em Redenção não havia mais do que 10 mulheres montando o chicote. A matéria prima vem do sul e o produto é exportado para a Alemanha.
Seria interessante confrontar os custos de produção com o faturamento da empresa: só de transporte, os insumos e o produto final percorrem não menos do que seis mil quilômetros, pagando um frete altíssimo. Também é instigante pensar que o produto exportado não passa de uma pequena parcela em um conjunto de outros componentes que formam o computador. Uma questão ainda a verificar.
Além da fábrica (os alemães se irritam quando se fala em fabriqueta), a Nixdorf comprou 48 mil hectares de terras, constituídas por 11 glebas de 4.356 hectares, que o Estado vendeu a particulares entre 1972 e 1973, transmitidas posteriormente a outros compradores, dando origem a duas fazendas. A Nixdorf restringiu seus investimentos a uma moderna serraria eletrônica, capaz de serrar 150 metros cúbicos por dia, abandonando a parte pecuária. Mesmo na madeira, sua falta de tradição vem comprometendo o negócio. Sabe-se que a própria serraria esteve ou ainda está arrendada.
De qualquer forma, como tanto o interesse da empresa como de parte dos ocupantes de terras por ela acusados de serem simples invasores, contratados por outras serrarias, é a madeira, principalmente o mogno. A disputa entre as duas partes teria que se tornar violenta devido à coincidência de objetivos. Em maio do ano passado, a Regional do Tocantins da Comissão Pastoral da Terra denunciou os alemães de tentarem expulsar 300 famílias de posseiros instalados na área, várias delas há mais de 20 anos, segundo a CPT.
A situação, porém, é bastante complexa. A questão possessória ainda não está bem esclarecida. Efetivamente, há pessoas dentro das fazendas que estão apenas extraindo madeira para vendê-la a serrarias, mas existem também posseiros antigos e até fazendeiros, um deles com 700 hectares de pastagem.
A todos eles a Nixdorf classifica de invasores e acha que devem ser sumariamente expulsos, sem qualquer indenização. Se não conseguisse fazer cumprir normalmente um mandado de reintegração de posse sentenciado pelo juiz de Conceição do Araguaia, a empresa estaria disposta a recorrer a tropa federal ou mesmo à violência direta contra os posseiros, cujos direitos haviam sido reconhecidos pelo Incra.
A existência desses direitos é reforçada pelo fato de que a demarcação das terras, apenas iniciada, não chegou a ser concluída, fortalecendo as dúvidas quanto à exata localização das duas fazendas. Os posseiros alegam que a Nixdorf está avançando sobre uma área devoluta, justamente onde estaria instalada uma parte dos posseiros.
Ao despachar o mandado de reintegração de posse (que, por si só, parte da presunção de que a empresa não está na posse das suas terras, o que só é possível por se tratar de um latifúndio improdutivo), o juiz Juraci Marques Tavares simplesmente ignorou todos esses detalhes. E criou um problema ainda maior, que só será contornado se a execução da sentença for realizada com tato e de forma a não agravar o clima de tensão.
Evidentemente, esse mandado não soluciona o impasse vivido na área, antes o aprofundando. Os posseiros parece não terem encontrado, talvez porque não procuraram, um advogado para contestar o despacho judicial, eivado de falhas, segundo a opinião de outros advogados. Agora, resta saber qual o caminho que será trilhado pelas autoridades para evitar que da tensão não aliviada resulte um choque.
____________________
Este exto expressa um modo de fazer jornalismo que vai desaparecendo. Para publicar o artigo na minha coluna diária em página nobre de O Liberal, fui (e voltei) de carro à distante e difícil área do conflito ver o que acontecia no próprio local. No mesmo dia do retorno, que custou bastante e demorou uns seis dias, escrevi o artigo. Por isso, a matéria tinha impacto. Acompanhei o desdobramento dos fatos até a Nixdorf desistir das terras e voltar – de mãos abanando – à Alemanha.
Dei outro título ao artigo, para atualizá-lo.
Discussão
Nenhum comentário ainda.