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Sinopse
Este livro reúne poemas escritos ao longo dos 14 anos que uma paraense de Belém do Pará morou em São Paulo sem nunca ter tido total identificação com a cidade. Vendo a vida pela janela do busão em São Paulo, a autora se perguntava repetidamente: Será que [esse estranhamento] é da idade ou da cidade? Junto à crise dos 40 anos, os poemas foram resgatados de mais de 50 cadernos usados entre 2008 e 2022 (entre seus 25 e 39 anos) com a motivação de fazer uma cartografia da sua subjetividade. Preparar este livro lhe permitiu entender que idade e cidade são duas variáveis com as quais sua subjetividade tem variado diretamente. Organizado em cinco capítulos, vemos as temáticas que mais moldaram a experiência das idades e das cidades: poemas de amor e ódio (dois casamentos e duas separações), poemas de estranhamento com a cidade (morando em São Paulo, mas sempre tendo como referência Belém), poemas de núcleo de subjetividade (onde a autora se pós-graduou), poemas de críticas que recebi (nas defesa do mestrado e qualificação do doutorado) e poemas de loucura e magia (ao enfrentar depressões e se aproximar de seu atual fazer como taróloga). Este livro é um ato de alquimia.
Orelha, por Marcelino Freire
ÉLIDA É O MÁXIMO
Ela quem apresentou a mim a poesia de Max Martins. Hoje chamo o poeta Max de meu amor por causa dela. Max o máximo. Élida também. Desde quando conheci o que ela escrevia. Uma frase que deslizava. Um verso que não parecia um verso. Explico: o problema da poesia é a poesia. Bom quando o que está escrito está “inscrito”. Digo: no chão. Digo: na pele. Naturalmente. É isso. Peguei este livro para ler em uma sentada. Embaixo de uma sombra. Em uma praça da cidade sem horizonte. São Paulo tonta de ponta a ponta. Dizem que São Paulo não dorme. Dorme sim. Mas é sonâmbula. Vi nos passos de Élida os meus quando desembarquei em São Paulo. A saudade já estava aqui quando cheguei. O quanto que perambulei. Ave nossa! Élida vai vestindo as esquinas com suas palavras. Enchendo as encruzilhadas de araras, carcarás, carapanãs. Palavras que só a gente traz de lá de onde a gente vem. Eu de Sertânia, Pernambuco. Ela de Belém do Pará. Numerosos destroços na bagagem. E uma linguagem que só quer contar o acontecido. E o que deixou de acontecer. Dentro e fora do peito. Escrever é dizer outra vez o que a gente nunca conseguiu dizer. E Élida diz, sem medo. O fundo do poço é onde se esconde a água mais limpa. Vou guardar cada um de seus (uni)versos na minha quartinha. Vontade de dar um banho no Rio Pinheiros. Cidade. Qual cidade? Qual felicidade? Do outro lado da escada rolante um amor que já foi embora. Que pena! Sumiu em direção contrária ao metrô da Vila Madalena. Élida agora vive em João Pessoa, na Paraíba. Eu continuo esperando o trem chegar. Este livro é um abraço que eu recebo. É um afeto. E não é pouco. Estamos juntos, amiga, de novo. Eu, tu e Max. Eis o poeta: “tua casa não é lugar de ficar / mas de ter de onde se ir”. Eis Élida: “paixão é tudo aquilo que entorta a gente”. Com a poesia que nos interessa resistimos. E seguimos, com tudo, em frente.
Biografia
Élida Lima é poeta, escritora, editora, mestra e doutora em Psicologia Clínica e Subjetividade pela PUC-SP, terapeuta, taróloga e artista. De Belém do Pará, viveu 14 anos em São Paulo. É autora de Voados (2009) e de Cartas ao Max (2013). É uma das criadoras do Cursinho Popular Transformação em SP, do Transarau e da Antologia Trans. Realizou Oficinas de Poesia na Pinacoteca e na Universidade de Durban na África do Sul. Fez parte de coletivos feministas. Apresentou o doutorado “Heranças da branquitude em feminismos brasileiros” em Harvard. Viajou dezenas de países com coletivos de arte envolvendo a luta contra o racismo. Desde 2019, unindo a verve poética, analítica, literária, sociológica, artística, tornou-se taróloga. Desde 2022 adota o estilo de vida peregrino. Retorna à escrita literária com a publicação deste livro que reúne 89 poemas de uma década de vida e poesia.
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Alguns poemas do livro
poemas de amor e ódio
paixão
tudo aquilo
que entorta
a gente
noiva de viajante
lamberei uma a uma
as queimaduras de etano
acharei fofos os bichos
dos seus pés
invejarei a dor esmagada
nas vértebras do percurso
não, no rijo dos testículos
quero reencontrar os folículos
ardidos das roçaduras das horas
nas dobras braços coxas
sua virilha então
quero as unhas pretas
as cutículas carcomidas
traga, traga o bálsamo
yellow azedo no pênis
para dentro desse meu
arredor
vestido de cidade
quero teus cabelos
para mandar
cortar
motivo
eu preciso comprar um alicate
desparafusar uma cadeira
e você me atrapalha
poemas de estranhamento com a cidade
palavra feia
um poema pode ter
uma relação linda
com uma coisa feia
certa vez ouvi alguém dizer
meu coração palpita ao ver
são paulo do alto
de cá continuo achando
que não é palavra bonita
para poesia
mas já consigo entender
que o meu susto era conceber
uma relação real
com essa cidade
ou qualquer outra
palavra feia
altivez
olhos finos
sobrancelhas grossas
palavras cortantes
por isso não preciso usar salto alto
poemas de núcleo de subjetividade
fissuras nucleares
recebo no meu corpo
o efeito
de uma boca torcida
interpreto o mesmo signo
de uma maneira pela manhã
e de outra às três
mergulhada em signos
desconheço as causas
só tenho os efeitos
nesse modo de conhecimento
sou uma paixão
não uma ação
entretanto
nadar
é saber
se compor
com a água
corpo
organismo verbal
que secreta poesia
poesia é vida semanticamente instável
poemas de críticas que recebi
crítica IV
você não pode
chamar o max
de meu amor
crítica VIII
quando meus amigos
estão reunidos
na minha casa
eu leio o seu texto
em voz alta
para eles rirem
da sua cara
poemas de loucura e magia
pesquisas sobre ânsia
por uma conexão espiritual profunda
desde bebê fazemos linguagem simbólica
por uma vida do nosso tamanho
carregamos as imagens de sentido
ofício
isso que eu faço hoje
ler tarot
ainda é a mesma coisa
que eu fazia na escola
inventar as respostas
a primazia da imaginação
teve reino
o sábio
analfabeto de romances
analfabeto de contos
analfabeto de crônicas
analfabeto de dissertações
analfabeto de teses
analfabeto de biografias
analfabeto de ensaios
analfabeto de catálogos
analfabeto de folders
analfabeto de roteiros
analfabeto de memorandos
analfabeto de atas
analfabeto de atlas
analfabeto de artigos
analfabeto de novelas
analfabeto de reportagens
analfabeto de resenhas
a l f a b e t o d e m a g i a
a sacerdotisa
o fundo do poço
é onde se escuta
a água mais limpa
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