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Cultura

Malcher é acusado de apregoar a república

O jornal O Defensor da Legalidade: Liberdade e Ordem, do Rio de Janeiro, Edição nº 4, de 1835, folha 4, reproduzindo o Correio Oficial Paraense, publica a  ata do Conselho do Governo do Pará, de 23 de outubro de 1834, onde consta que Félix  Antônio Clemente Malcher havia reunido gente para o fim de proclamar o sistema de governo republicano sobre a ruína do sistema monárquico constitucional representativo. Ante a gravidade da situação, o Conselho deliberou sobre o assédio ao distrito do Acará, a demissão do secretário do governo José Antônio da Fonseca Lessa, por não ser de confiança, e a expulsão dos estrangeiros Henrique Roussart e Urbano Biasf Pardo. 

Apenas alguns trechos da referida ata são mencionados no livro de Domingos Antonio Raiol, Motins Políticos (folha 516 do 2º volume, edição de 1970 da UFPA), constituindo a publicação de sua totalidade um resgate histórico.

PARÁ

Ata do Exmo. Conselho do Governo

Aos vinte e três dias do mês de outubro de 1834 anos, nesta cidade de Santa Maria de Belém, capital da província do Grão-Pará, e no Palácio do Governo da mesma, estando presente o Exmo. Sr. Presidente e os Srs. Conselheiros abaixo assinados, foi aberta a sessão.

O Exmo. Sr. Presidente relatando ao Conselho  as circunstâncias em que se acha a província do perigo iminentíssimo de ser ateada a guerra civil, que tantos estragos e ruínas têm causado a outras províncias por serem patentes os tramas e esforços dos inimigos da ordem, e por constar que no distrito do Acará, Félix  Antônio Clemente Malcher tem reunido gente para o fim de proclamar o sistema do governo republicano sobre a ruína do sistema monárquico constitucional representativo, e com o sacrifício das vidas e propriedades de todos os homens constitucionais e proprietários, como evidentissimamente deixam ver as hostilidades cometidas por esse partido insurgente, que atraiçoadamente agredira ao destacamento que naquele distrito do Acará se achava de observação, e assassinara o comandante da mesma força, José Maria Nabuco de Araújo, e alguns praças, prendendo o tenente-coronel comandante de Guardas Nacionais José Pereira da Serra, que para ali havia sido mandado para manter o ordem de seu batalhão, como consta pela denúncia vocal que lhe dera o feitor de Mathias José da Silva, vizinho do lugar onde se achava aquele destacamento, e que tem todo o caráter de verídico, acrescentando mais a estas provas os documentos que se acharam em casa do arcipreste João Batista Gonçalves Campos, que demonstram a existência do plano que principiam a por em execução, e ser o mesmo arcipreste o seu primeiro  mais influente e mais danoso agente, acrescendo mais outra denúncia vocal que lhe dera o doutor juiz de direito Manoel Bernardino  de Souza Figueiredo, de se tentar por em prática o mesmo plano na vila de Vigia, onde se achava em razão de seu ofício, a qual pôde ainda ser sufocada pelo patriotismo das autoridades e homens bons da dita vila, e outros muitos fatos que correm de plano; julgava que em crise tão arriscada, na qual os inimigos da ordem não guardam medida alguma, nem princípios de justiça para por em prática os serviços mais terríveis e horrorosos, um dos quais principalmente a política aconselha que fique em silêncio, julgava não se poder manter a ordem e conservar a província em paz com os meios ordinários, que têm sido religiosamente observados em todo o tempo de sua administração; e propunha como medida indispensável, ficar autorizado para empregar a força armada contra tais inimigos internos, e que qualquer ponto da província onde apareça qualquer tentativa de destruir o sistema atual e a tranquilidade pública, seja declarado pelos simples fato de reuniões de força, como assédio, e que nesse distrito do Acará, e em qualquer outro para onde a força desorganizadora se refugiar, a força pública do governo possa operar livremente, sem nenhumas outras formalidades além das que prescrevem as leis militares sobre o direito da guerra, e que assim ficasse declarado em assédio aquele distrito do Acará; e isto na conformidade do § 8º, do Art. 11, da Lei de 12 de agosto do corrente ano, das mudanças e adições feitas à Constituição do Império, por não poder ter ainda a reunião da assembleia legislativa provincial; o que tomando em muita consideração o  Conselho, que tem sido inabalável e firme sustentador dos direitos de todos os cidadãos e das legalidades, mas que reconhecendo a crise imperiosa, que exige medidas extraordinárias para a salvação pública que é a lei suprema do Estado, medidas tais que nenhum homem justo deixará de reconhecer como necessárias e únicas que podem aproveitar, deliberou unanimemente na conformidade da exposição e proposta do Exmo. Sr. Presidente.

O Exmo. Sr. Presidente propôs mais a demissão do secretário do governo José Antônio da Fonseca  Lessa, por não lhe merecer confiança. O Conselho concordando com a proposta deliberou que fosse demitido na conformidade da lei de 14 de junho de 1831. O mesmo Conselho tendo pleno conhecimento da conivência que tem tido com os desorganizadores da ordem pública os estrangeiros Henrique Roussart e Urbano Biasf Pardo, deliberou fossem postos em custódia, sendo-lhes intimados pelo chefe de polícia o saírem para fora desta província na primeira embarcação que se fizer de vela. Resolveu mais o Conselho que o Exmo. Sr. Presidente, no sentido do que se tem deliberado nesta presente sessão, fica autorizado para tomar todas as medidas para a manutenção da ordem. Do que tudo para constar se lavrou a presente ata, que eu Miguel Antônio Nobre, oficial-maior da secretaria do governo, no impedimento do secretário, a escrevi. – Bernardo Lobo de Souza, Presidente. – Antônio Manoel de Souza Trovão. – Manoel Sebastião de Melo Marinho Falcão. – João da Gama Lobo d’Auveres. – Silvestre Antunes Pereira da Serra. – José Batista Camecran.

(Correio Oficial Paraense)

Ricardo Condurú – Blog Cabanagem Redescoberta

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