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Internacional

Hitler, Speer, Berlim e a eterna pegada nazi no Euro 2024

Diogo Cardoso Oliveira / Público (Lisboa)

Quem venha a estar na final do Euro 2024 vai ter a possibilidade de olhar em redor, no Estádio Olímpico de Berlim, e imaginar que ali, naquele mesmo local, foi gritado “heil Hitler” por milhares de pessoas. Ali, os nazis fantasiaram sobre a superioridade ariana. Ali, foram glorificados os cérebros do Holocausto. Ali, foi mostrada ao mundo, nos Jogos Olímpicos de 1936, uma Alemanha humanitária que mais não era do que “lobo em pele de cordeiro”.

Durante a II Guerra Mundial, as bombas dos Aliados passaram ao lado do estádio mandado construir por Adolf Hitler e o local manteve-se intato. Por consequência da guerra ou por decisão pós-1945, para evitar locais de culto, quase tudo foi destruído. Mas o Estádio Olímpico de Berlim ficou por ali. E por ali continua. Tudo soa a nazi.

No Europeu, a Alemanha decidiu que o mundo poderia jogar futebol, gritar e celebrar a diversidade, inclusão, liberdade e igualdade num recinto mandado erguer por Hitler. A utilização atual deste local, para efeitos futebolísticos e sociais, é, por si só, um twist refrescante às ideias perversas de quem o mandou construir. A final do Euro 2024 vai ser jogada neste recinto, que já recebeu o Espanha-Croácia e ainda receberá mais alguns jogos da prova.

Quem por lá passar hoje vai ver quase tudo igual ao que era em 1936. Além de obras estéticas de melhoramento e modernização, foi acrescentada uma cobertura. De resto, a nível estrutural, mantém-se tudo: as bancadas, os dois grandiosos pilares e até as estátuas no exterior do estádio, que evocam a estrutura corporal daquilo que imaginavam como homem ideal. No fundo, mantém-se a opulência mas pretende retirar-se a ideologia.

A questão é, pelo meio, o que fazer com a História. Manter ou apagar? A Alemanha tem ocupado algum tempo a discutir a questão de como se deve olhar para a História e para livros, pinturas, esculturas ou edifícios que remetam para um passado nazi sangrento. Os tempos atuais não permitem que deixemos o fascismo à vista, podem defender uns. Não nos vemos livres da História por destruir monumentos. Temos de a usar para ensinar e não para esconder, podem argumentar outros.

A decisão de Berlim tem sido não destruir o passado por completo. Aquilo que poderá ser defendido é que cada evento cultural organizado naquele estádio significa uma pancada forte no inexistente túmulo de Hitler. Ali, acontecem concertos de artistas de todo o mundo, junta-se a diversidade, celebra-se todo o tipo de arte. No desporto, não é diferente. Foi ali, por exemplo, que muitos atletas negros foram felizes — como Jesse Owens, que o fez “nas barbas” (ou bigode) de Hitler, em 1936. Ou Caster Semenya, já que foi precisamente neste estádio que, com o desempenho nos 800 metros, nos Mundiais 2009, a sul-africana espoletou o tema dos atletas transgênero no desporto.

Como trivialidade, também foi ali que Zidane deu uma cabeçada a Materazzi — e um francês a agredir fisicamente um italiano, em Berlim, é uma reviravolta curiosa na ideia dos nazis para o desfecho da II Guerra Mundial.

O arquiteto do diabo

De que cérebro saiu este edifício construído pelos “verdadeiros alemães”, sem qualquer dedo judeu? Um deles foi Albert Speer. Foi o arquiteto preferido mesmo um dos mais relevantes membros do círculo íntimo do ditador alemão. A nível de obras, Hitler sonhava de noite, Speer concretizava de dia. O que fica de Speer não é a narrativa de “bom nazi”, que a História se encarregou de esvaziar, mas o dedo que teve numa obra tremenda, que ainda hoje pode ser usada para ensinar e para celebrar preceitos diferentes daqueles que foram defendidos nos primórdios deste recinto.

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