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Cultura

A festa do c*** em Mosqueiro

Paulo Faria – Teatrólogo e cronista

Mosqueiro tem uma tradição de festas juninas, e com os mastros de cada santo. A de S. Pedro é doada a uma outra festa, comemorada no dia 1º de julho, que marca a transição do mês junho, das festas juninas, para o mês mais quente da Ilha, do verão, do veraneio dos belenenses: julho.

É também uma festa ecológica, pois o mastro de S. Pedro é reaproveitado, sem precisar arrancar nenhuma árvore.

Uma festa no mínimo inusitada aos desavisados é a festa do São Caralho, mas não se assuste. De acordo com a Academia Portuguesa de Letras, “caralho” é a pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias observavam o horizonte em busca de sinais de terra, “terra à vista!”. E onde ficavam colocados em castigo os insubordinados durante as navegações, que todos temiam; vem daí a famosa frase “vai pro caralho”. Ficavam horas ou dias no castigo.

Na contemporaneidade a palavra define todo tipo de sentimento humano e todos os estados de ânimos, como é o nosso “égua”, que tem várias conotações de acordo com tais ânimos.

Portanto, vou tratar aqui do “caralho” com um pouco mais de cultura e autoridade acadêmica.

Em 1º de julho de 1988, um grupo de trabalhadores de uma residência em construção foi atrás de uma distração depois do batente, de uma farra diferenciada. Foi quando alguém teve a ideia de pegar uma madeira e fazer um mastro, como o das festas juninas, e sair em cortejo.

O surgimento foi na Praia Grande, ao lado do Farol, onde até hoje tem uma pequena praça do São Caralho, com vários artefatos criados por um artista plástico da região. As pessoas foram depositando outros elementos, a partir de coisas recolhidas do lixo, como bonecas, garrafas, resto de aparelhos domésticos. Tem até uma cobra morta dentro de um vidro, criando um aspecto meio macabro à pequena praça na beira da praia.

Da Praia Grande, os farristas foram em cortejo com o mastro enfeitado até o bar do “empata Phoda”, atual “Empata’s” na praia do Bispo, onde a festa se desenvolve até hoje, e já tem quase 40 anos de tradição.

Houve um ano em que na igreja da matriz, na praça da Vila, o padre gastou uma missa para condenar aquele ato profano. Todos achavam que ninguém apareceria na festa do São Caralho. Ao contrário, a missa do padre para centenas de pessoas só ajudou a divulgar o fato. Naquele ano, foi maior o número de brincantes. A frequência segue crescendo até hoje. E já poderia fazer parte do calendário oficial de Mosqueiro.

Esse tipo de festejo nos remete à Grécia antiga, em Atenas, as falofolias, quando eram feitos sacrifícios de touros e bodes a Dioniso, seguidos de cortejo do falo com cantos obscenos e engraçados, com intuito de trazer fertilidade às terras atenienses, que possuíam solos muito pobres. O falo é um símbolo do poder gerador da natureza. 

Nessas festas em homenagem a Dioniso surgiu o teatro grego: as comédias e as tragédias. Estas surgem dos cantos ditirâmbicos e as comédias se desenvolvem a partir dos cantos fálicos, ligados à fertilidade. Era um espaço de interação e coesão dos gregos.

Há indícios que as falofolias seriam mais antigas que o próprio patrono Dioniso. As dionisíacas rurais provinham do Egito, em homenagem ao Deus Osíris, ligado à fecundidade da terra.

As festas dionisíacas eram celebrações cívico-religiosas, E tinham também um cunho crítico político e da identidade de Atenas. Serviam ainda para suavizar conflitos internos dentro da polis.

Assim tem sido a festa de São Caralho na Ilha, onde, ao longo dos anos, serve para criticar os governantes e o abandono de Mosqueiro, principalmente no que tange ao transporte, à cultura e à educação.

A Festa na bucólica teve alcance internacional através do documentário “O Mastro de São Caralho”, do cineasta Márcio Barradas (disponível no Youtube), no II Festival Internacional de Cinema Social (FEST-FISC), que aconteceu no Senegal. E a cada ano tem atraído mais e mais turistas ao local.

Então, fica o convite para conhecer essa festa tão característica, que acontece todo o 1º de julho, no Bar “empata’s” na escadaria da praia do Bispo, durante o dia todo. O ápice é no meio da tarde, com música, comida, bebida, humor e diversão. Depois sai em cortejo até a praça da Vila. Sem dúvidas uma festa DUCA, feito pelo e para o povo.

CORREÇÃO

A matéria A Opção de Mosqueiro saiu sem a assinatura do seu autor, Paulo Faria.

Discussão

Um comentário sobre “A festa do c*** em Mosqueiro

  1. ai carajo!

    Curtido por 1 pessoa

    Publicado por paroaratupi | 28 de junho de 2024, 13:31

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