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Cultura

Na boca do livro

O empresário José Mindlin formou uma das maiores e melhores bibliotecas particulares do Brasil e mesmo do mundo. Mas não era apenas colecionador, caçador de primeiras edições e edições raras, às centenas, nas quais aplicou parte da sua fortuna. Ele lia. E lia muito. Enquanto girava de carro por São Paulo e por outras capitais, ia lendo. Para isso sempre manteve um motorista particular.

O grande ator irlandês Richard Burton, que foi casado com a atriz Elizabeth Taylor, detentora dos olhos violetas mais famosos e admirados de todos os tempos, para onde ia (e ia muito e para muitos lugares) carregava uma mala cheia de livros. Era um caso raro de ator que lia mais do que o script do filme. Atores costumam ler pouco, uma contradição e um paradoxo que se estendem a jornalistas. Não deveria. Mas é uma tendência dominante.

Não sucumbiu de todo, porém, a esperança de que os jovens redescubram a importância e o prazer de ler um livro. Para mim, livro é uma palavra que precisa vir acompanhada de um complemento: papel. Livro, revista, jornal. Como música estava associada ao disco de vinil (em franca reinserção no mundo dos ouvintes de boa música). Não só pela maior qualidade na reprodução da gravação como pelas capas das “bolachas pretas”.

Comprei muitos discos atraído pela beleza de suas capas, como aconteceu com muitos livros. Ficava observando os detalhes gráficos da criação e apreciando o cheiro inconfundível da tinta de impressão. Era um prazer à parte quando pegava uma revista (impressa em papel especial, como o couchê) mal saía da máquina.

Pode parecer exagero, obsessão ou mesmo patologia acumular livros, milhares deles. O curioso (ou incrédulo) sempre pergunta ao dono dessa biblioteca expandida se ele leu todos os livros que possui. Claro que não leu. Lendo 200 livros por ano, ao longo de 74 anos, uma média excepcional, eu estaria com 15 mil livros no currículo. É claro que jamais lerei todos os livros que possuo (e ainda têm que entrar na conta jornais, revistas, documentos, etc, que são itens da biblioteca).

Dispor da companhia dessas publicações, muitas delas escritas há milhares ou centenas de anos, foi e continua a ser uma das maiores dádivas que a vida me concedeu. Vou dividi-la com meus leitores na seção Na Boca do Livro. Será uma coluna livre, leve e solta, sem regras nem periodicidade compulsória. Um dos maiores prazeres usufruídos por quem possui uma biblioteca de grande porte resulta do acaso. Caminhando pela casa, dou com um volume na pilha que atiça a minha curiosidade. Leio ou releio o livro. A partir de agora, vou partilhar a informação que me restou da leitura nesta nova seção.

Discussão

8 comentários sobre “Na boca do livro

  1. DE PAR COM UMBERTO ECO

    Entre vários títulos (filósofo, semiólogo, linguista, romancista), Umberto Eco, morto em 2016, foi um bibliófilo empedernido, a ponto de acumular 50 mil volumes em casa. Chateava-se quando alguém perguntava: “Já leu todos?”, e dava respostas irritadas. É bom notar que um mortal pode ter a irritação de um deus. Embora sem comparação possível, a começar do número de volumes, quantas vezes já ouvi de estranhos, principalmente prestadores de serviços que entram em minha casa, a indagação impertinente.

    Umberto Eco tinha três opções de resposta à pergunta que considerava idiota, a depender do seu humor no momento:

    1) “Não li nenhum, de outra forma porque os teria aqui?”. 

    2) “Já li mais, senhor, muito mais!” 

    3) “Não. Aqueles que já li, mantenho na universidade, estes são aqueles que devo ler na próxima semana.”

    Tenho muitos livros que não li e os tenho para ler ou consultar quando necessário – e a necessidade um dia se apresenta. Alguns os tenho porque não poderia deixar de tê-los. Tenho até livros duplicados, que recomprei por duvidar se os tinha, e na dúvida arrebanhei em sebos uma obra que achava indispensável.

    Minha resposta à pergunta impertinente sempre foi uma, artificiosa e desviante:

    – Li todos e sei todos de cor.

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    Publicado por SERGIO ROBERTO BUARQUE DE GUSMAO | 28 de abril de 2024, 12:06
  2. Já ansioso para ler a sua nova secção sobre livros 📕. Grande abraço fraterno

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    Publicado por jmbsouza | 28 de abril de 2024, 12:09
  3. Professor Lúcio, inocentemente lhe fiz essa pergunta e de forma delicadeza e fina teve a paciência de me responder. Obrigada, foi realmente um prazer enorme poder ver de perto o seu valioso tesouro!

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    Publicado por Simone | 28 de abril de 2024, 16:56
  4. Já no aguardo dessa nova coluna que para mim será uma fonte de inspiração. 🙂

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    Publicado por Simone | 28 de abril de 2024, 16:58
  5. Atualizando minha leitura do blog, li essa notícia maravilhosa. Excelente ideia, Lúcio!

    Gosto muito de livros físicos também, mas é inegável a praticidade dos virtuais, agora mesmo, ainda viajando, levo uma pequena biblioteca, bem mais leve do que a da mala do Richard Burton, pra sorte do meu bolso!

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    Publicado por CRISTINA GEMAQUE | 7 de maio de 2024, 17:46

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