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Justiça, Política

O Drácula brasileiro

O cidadão brasileiro conseguirá ter acesso, de imediato (em tempo de intervir na história e não apenas tomar conhecimento do seu relato), à cronologia das tratativas iniciadas pelos donos do grupo JBS que resultaram na maior crise política brasileira desde o inicio da Operação Lava-Jato, mais de três anos atrás?

Aparentemente, tudo começou em fevereiro. Permaneceu em sigilo quase completo até o vazamento do conteúdo das sete delações do pessoal da JBS, incluindo seus dois proprietários, menos de quatro dias atrás, pelas matérias do jornal O Globo. Assim, em menos de três meses, Joesley Batista, o principal agente desse enredo, secundado pelo irmão, Wesley, prestou sete depoimentos, entregou documentos e produziu provas sem que a imprensa fizesse qualquer registro de um fato que veio a superar o impacto das delações de donos e executivos da Odebrecht.

Essa incrível façanha, de sustentar segredo tão devastador por três meses, prossegue até hoje. A imprensa já produziu um material vastíssimo sobre as acusações do pessoal da JBS contra o presidente Michel Temer, o senador Aécio Neves e vários outros políticos notáveis, além de ministros e outros servidores graduados da administração federal, mas faltam detalhes essenciais para compreender o que houve.

As informações já conhecidas criam no observador ou analista que as recebe uma sensação profundamente desagradável: de que o verdadeiro condutor dos acontecimentos é o empresário Joesley Batista. Os vídeos o mostram revelando os piores crimes contra a administração púbica de forma natural, fria, irônica, cínica ou debochada, a partir de uma postura superior, arrogante, de verdadeiro dono da situação.

Depois de horas assistindo os vídeos, mal consegui segurar a minha revolta pela postura dos procuradores que o ouviam. Leigo, mas cidadão consciente, sentia que eu reagiria de outra maneira àquele espetáculo de pilhagem do dinheiro do povo, da honra das pessoas, dos crimes confessados com total amoralidade. Se fosse um daqueles procuradores, deixaria que o criminoso confessasse seus crimes. Em seguida, lhe comunicaria que ele estava detido. Aguardaria naquele mesmo local eu preparar a ação penal contra ele, levando-a à instância judicial competente.

Uma vez protocolada, eu levaria a peça em mãos ao juiz sorteado. Em nome do mais alto interesse público, o consultaria sobre a possibilidade de ser decretada de pronto a prisão preventiva de Joesley Batista. Movimentaria a secretaria da vara para expedir o mandado de prisão, buscaria um oficial de justiça e o levaria para cumprir a ordem judicial no local onde o empresário permanecia sob detenção. E o mandaria para a penitenciária, o lugar no qual deveria começar a pagar pelos gravíssimos crimes que cometeu contra o país.

Ao invés de algo parecido a isso, os procuradores se comportavam amigavelmente, solícitos, tratando aquele perigoso criminoso até com o coloquial “você”, que talvez não reservassem a um desprezível ladrão de galinhas. Pareciam terceiros não envolvidos (ou “envolvíveis”) com as mais escabrosas histórias já relatada de viva voz pelo personagem que lhes deu causa.

Nunca um cidadão declarou com tal ênfase e riqueza de detalhes como corrompera, em série, o presidente da república, o ex-candidato a presidente (que, por mínimos 3% dos votos, não venceu a eleição), senador e presidente do terceiro maior partido político do país, e, em cascata, centenas de pessoas com algum tipo de poder sobre os negócios públicos – e o caixa do erário.

Uma vez confessados todos os crimes, por que afastar a lâmina da lei punitiva e negociar, como num açougue, um preço que o criminoso deveria pagar por seus delitos e as vantagens que teria por confessar a ação corrosiva que exerceu ao longo de tantos anos de acesso forçado ao poder público pela eficiente e malsã via do pagamento de propina?

Autor confesso dos crimes, cujos efeitos se estenderam por sobre os 200 milhões de brasileiros, o criminoso está a salvo de tudo em Nova York, a principal cidade do país no qual o empresario tem agora mais negócios do que no próprio Brasil,mas no qual se agigantou por receber de banco estatal o dinheiro mais barato do mercado, receber informação privilegiada para fazer negócios rentáveis, conseguir a aprovação no executivo e no legislativo (e no judiciário também, ainda que pouco lembrado) o melhor para os seus negócios – tudo isso transferido para os Estados Unidos, onde jamais desfrutaria – ou desfrutará – dos mesmos privilégios..

Tão assustador é constatar que, depois dos primeiros contatos com o MPF (de qual Estado? com quem? seguindo qual circuito?), oferecendo a delação, Joesley Batista continuou a cometer os crimes graves de corromper agentes públicos, obstruir a justiça (silenciando, ao custo de milhões de reais, dois presos privilegiados, o ex-deputado Eduardo Cunha e o doleiro Lúcio Funaro), fazer gravações ou filmagens clandestinas contra o presidente da república e o senador Aécio Neves, além de outros políticos e assessores ou parentes, de efeito desagregador sobre a república, mas abrindo o flanco de um flagrante forjado (a pretexto de ação controlada pela Polícia Federal, comandada pelo próprio Joesley) como prova ilícita, cujo uso em processo judicial um bom advogado impedirá.

Tudo isso para ter as provas e conseguir o ressarcimento de uma parte menor do que a JBS roubou do governo e do contribuinte (porque raramente usou recurso próprio, no máximo como antecipação pelo faturamento obtido em superfaturamento e outros ganhos por meios ilícitos). Num primeiro acordo, 225 milhões de reais. Num outro, vigente até o primeiro minuto de hoje, equivalente a 5,8% do patrimônio da corporação no ano passado, valor que podia ir de um mínimo de 0,1% até um máximo de 20%. Qual o critério para os 5,8% do MPF, quando, para Joeseley, o “justo” seria ficar em 1%, ou metade do que ele pagou de propina a políticos até agora, ou R$ 500 milhões.

Sinceramente diante da enormidade do prejuízo que o dono do grupo JBS causou ao Brasil, é ninharia, embora pudesse ser o maior acordo de leniência do undo, 50% maior do que o da Odebrecht, a empreiteira cujo departamento de propinas (“operações estruturadas”) só se revela superior ao da JBS por seus métodos rigorosos de gestão, mas inferior em audácia, cupidez e virulência. E na quantidade de políticos que agrilhoou pela armadilha do dinheiro fácil e muito que consolidou a maior corrupção da história – não só no Brasil: no mundo.

O Brasil vai continuar diante do drama com a impassividade e frieza dos procuradores que ouviram a confissão de crimes de um gângster maior do que todos os outros registrados pela história? Um novo conde Drácula, que, ao invés de chupar o sangue das suas vítimas, nelas inocula o vírus da completa desonra, da vilania e da torpeza.

Discussão

7 comentários sobre “O Drácula brasileiro

  1. Lúcio,

    Como falei antes. O Lula criou um monstro com suas políticas direcionadas aos mais ricos. Agora a criatura veio pegar o criador.

    Esta relação de amor e ódio entre a criatura e o criador ficou clara nos últimos dias. Quando o Joesley denunciou o Temer e o Aécio, os Lulo-dilmistas consideraram o que o Joesley falou como provas materiais e irrefutávei. Noutro dia, quando o esquema dos 4% de propina ao PT foi divulgado, os Lulo-dilmistas passaram a dizer que o que o Joesley falou são informações improcedentes e inverídicas e que a verdade um dia virá a tona.

    Com tanta confusão, arrisco algumas conclusões:

    1. Toda a a coligação do mal (PT,PMDB, PPS e demais aliados) falcatruou. Seus líderes deveriam ser presos e os registros dos partidos cassados para sempre.

    2. O PSDB falcatruou. Seus líderes deveriam ser presos e o registro do partido deveria ser cassado.

    3. O BNDES falcatruou. A PGR deveria fazer uma fazer uma investigação profunda no banco o mais rápido possível.

    4. O empresariado facatruou. A PGR deveria selecionar as 20-30 maiores empresas que fizeram doações de campanha nas ultimas eleições e fazer uma investigação profunda para ver quem é quem.

    5. A população falcatruou. Mesmo sabendo que coisas erradas aconteciam em Brasília desde o mensalão, a maioria preferiu manter o status quo, possivelmente na esperança de manter a sua minuscula fatia do bolo da viúva. Neste caso, nem adianta investigar, pois não haveria PRG que desse conta.

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    Publicado por Jose Silva | 20 de maio de 2017, 11:13
  2. José,
    E o Supremo? E os procuradores?
    É inadmissível que um ministro do Supremo libere gravações gravíssimas sem verificar pericialmente se houve alterações. Perito do Estadão identificou 14 cortes na delação. Perícia contratada pela Folha identificou mais de 50 edições na gravação entre Temer e Joesley Safadão.
    Ex-braço direito de Janot, Marcelo Miller deixou o MPF para migrar para a área privada em 6 março, véspera da conversa entre Joesley Safadão e Temer.
    Valha-nos quem?

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    Publicado por Bernardo | 20 de maio de 2017, 11:40
  3. Lúcio, onde estava aquele procurador que deu uma lição de moral no pai do Marcelo Odebrecht??
    Realmente é impressionante a frieza com que os Joesley conta suas peripécias.

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    Publicado por João Lobato | 20 de maio de 2017, 11:44
  4. “Se a luta é realmente contra a corrupção, então o “xerife” e o “carcereiro” têm que afastar, em primeiro lugar, o espírito de corpo.

    Além de pararem com esse faz de conta sonso e messiânico de nunca souberam do que se passava no Brasil.”

    (http://pererecadavizinha.blogspot.com.br/2017/05/quem-prendera-o-carcereiro.html)

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    Publicado por Luiz Mário | 20 de maio de 2017, 18:38

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