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Ciência, Estrangeiros

Vanzolini: fala o bwana paulista

(Publicado no Jornal Pessoal 251, de janeiro de 2001)

Paulo Emílio Vanzolini merece respeito não apenas pelos seus 76 anos. Também por ser um dos mais importantes zoólogos do Brasil, além de compositor de música popular e poeta. E por quase meio século de interesse, dedicação e produção científicas, sobretudo na Amazônia. Tem que ser ouvido, mesmo quando suas opiniões, frequentemente apresentadas com exaltação e passionalidade, nos chocam. Ele fala com conhecimento de causa. Mas nem sempre com a razão. É obrigatório respeitá-lo. Mas não é obrigatório aceitá-lo.

Uma entrevista dele à última edição da Folha do Meio Ambiente, de dezembro do ano passado, está provocando polêmicas e iras. Com e sem razão. O que disse o paulista Vanzolini de tão grave?

Disse coisas que são absolutamente sensatas e corajosas. Como sobre a atitude que deve ter o Brasil na fronteira amazônica, certamente desagradando à esquerda (aos que querem tomar o tema como mote de união com militares nacionalistas para novas aventuras nasseristas) e à direita (aos que inventam fantasmas para tomá-los como bandeiras de ações que sabe-se como começam, mas não como terminam). Os problemas existentes (do narcotráfico à pirataria científica e comercial) ao longo de tão extensas linhas de fronteira, em área de tanta complexidade, devem ser enfrentados de frente. Justamente por isso, sem emocionalismos, preconceitos e excesso de voluntarismo.

Vanzolini destaca o papel fundamental das forças armadas nessa fronteira, na qual a natureza ainda predomina sobre o homem, de cuja espécie os índios são o elemento humano definidor. Mas adverte que, agindo como missionários, fanáticos e dogmáticos (tal como muitos integrantes de ONGs), exageram nas avaliações geopolíticas que fazem, deduzindo de tudo o dedo de uma potência estrangeira empenhada em se apossar da Amazônia: “Pode fazer besteira. De repente eles se metem a defender a Pátria Amada Idolatrada e sai um tiroteio danado”.

As Organizações Não-Governamentais também estão no rumo da metralhadora giratória de Vanzolini, que, para acertar, generaliza arbitrariamente, metendo todos numa cambulhada de nadas. Comete injustiças, mas, mesmo apanhado nesse pecado, diz coisas que deveriam ser tomadas como pretexto para reflexões dissociadas de provincianismo, espírito de corpo, oportunismo e malícia. Um dos trechos da entrevista que mais polêmica está provocando toca em tabus e mitos, com impropriedades, é certo, mas mexendo com feridas mal curadas, colocando-nos diante do desafio de ver a realidade:

“FMA – E os institutos de pesquisa como o INPA, Museu Goeldi, qual o papel deles? 

Vanzolini – Muito ruim, é zero. Não têm densidade científica para pesar. A qualidade da pesquisa é muito ruim, a consciência deles é muito primitiva.

FMA – Mas nunca teve qualidade? 

Vanzolini – Quer dizer, de vez em quando você tem um [Philip] Fearnside no INPA, porque aconteceu um cara bom. O Museu Goeldi nunca teve nada que prestasse, nunca. Começando pelo Goeldi, que não gostava de brasileiros.

FMA – Que história é essa? 

Vanzolini – O Goeldi era racista, ele não gostava de brasileiros. Ele era um suiço-alemão que veio para cá naquela colônia suiça de Teresópolis, no final do século passado. Um exemplo: o Carlos Moreira, que foi o primeiro especialista em crustáceos que teve no Brasil, era do Museu Nacional e era loiro. Um dia o Goeldi chegou para ele indignado: – O senhor mentiu para mim. Eu estava certo que o senhor era anglo-saxão e o senhor é filho de portugueses. Deu a maior bronca no Carlos Moreira porque não era anglo-saxão. Outro exemplo: quando a Inspetoria de Pesca, no Rio de Janeiro, comprou um navio chamado Annie, que tinha um trol com uma rede de 200 metros, começamos a conhecer as espécies da costa do Brasil. Foi uma loucura, o que começou a entrar de peixes que não se sabia que existiam no Brasil. O ictiólogo Alípio Miranda Ribeiro, que era do Museu Nacional, começou a descrever as espécies. Sabe o que o Goeldi fazia? Ia ao mercado, comprava os peixes do Annie e mandava para o Museu Britânico. Resultado: o trabalho do Tate Reagan, ictiólogo do Museu Britânico, saiu quase ao mesmo tempo do trabalho do Alípio Miranda Ribeiro”.

Há um indisfarçável acento colonialista nas declarações de Vanzolini, típicas dos personagens da metrópole nacional que peregrinam pelo sertão amazônico, dele retornando às suas sedes com a tábua dos mandamentos, as verdades científicas e um conhecimento que, mesmo baseado em vivência real, acaba alterado por exotismos, exageros e uma dose de presunção refratária à autocrítica.

É por isso que décadas de vivência com os nativos não imunizaram o notável cientista contra uma visão estereotipada, que traduz em linguagem exclusivamente mercantil a desconfiança arraigada do caboclo e seu instinto do negócio como forma de defesa, um instinto de sobrevivência que costuma chocar os bwanas.

Quando eles nos falam, esperam que acatemos com humildade obsequiosa suas frases, muitas de mero efeito, porque são os sábios, os elementos de ponta do conhecimento, que às vezes nos encaram com bonomia, bondade ou benevolência, mas do alto, de cima para baixo, patriarcais. Mas já sabemos que não são deuses. Feito esse expurgo, também não somos santos, nem detentores da verdade pelo simples fato de aqui termos nascido. Devemos ser inteligentes e corajosos: a tudo ouvindo; mas tudo submetendo à nossa análise. E, se possível, deliberação.

Discussão

2 comentários sobre “Vanzolini: fala o bwana paulista

  1. Você sabe porque o Vanzolini se comportava assim? Porque ele foi pego coletando espécimes ilegalmente com uma equipe americana em Rondônia. O material apreendido pelo IBDF foi enviado para o Museu Goeldi. Desde então a instituição virou inimiga número um dele. De qualquer forma, ele agora é passado. RIP!

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    Publicado por Jose Silva | 2 de novembro de 2018, 16:55
  2. Bem lembrado, José!

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    Publicado por Elias Granhen Tavares | 2 de novembro de 2018, 20:04

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