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Ecologia, Floresta

O herói do Acre

Chico Mendes está sendo lembrado no mundo inteiro pelos 30 anos do seu assassinato. Ele foi morto aos 44 anos, de emboscada, em 22 de dezembro de 1988, com um único tiro de escopeta, quando saía da sua casa, na sua cidade natal, em Xapuri, no Acre.

Um ano antes, Chico ganhara o maior dos muitos prêmios que recebeu, concedido pela ONU, numa solenidade em Nova York. Foi proclamado o grande defensor da ameaçada floresta amazônica, a maior floresta tropical do planeta.

Comandava a resistência oposta por dois mil seringueiros à ocupação das terras nas quais produziam borracha. Os novos donos derrubavam a mata, incluindo as preciosas seringueiras, para plantar capim e formar rebanhos. Com a cobertura da política oficial de integração da Amazônia ao Brasil, em Brasília, e de pistoleiros, na jungle, o sertão que ia avançando sobre a paisagem natural da Hileia.

Durante os quatro anos em que o líder dos “empates” esteve sob proteção policial, 50 seringueiros foram assassinados. Dois PMs, que protegiam Chico Mendes em sua casa. só se movimentaram depois dos tiros, situação que a vítima já previra. Sua morte foi anunciada diversas vezes.

Não era difícil gostar de Chico Mendes e idolatrá-lo. Ele era simples, inteligente, corajoso, decidido em sua luta, idealista, bom pai e chefe de família, completamente harmonizado ao lugar em que vivia, perseguido, sob risco constante de morte.

Tinha todos os atributos de herói, defensor de uma causa justa, de forte apelo mundial, inclusive para a idealização de uma solidariedade universal e capaz de permitir a remissão de pecados históricos da civilização ocidental, predadora da natureza e das sociedades sujeitas ao seu domínio e exploração por séculos, sobretudo pelo colonialismo na África e na Ásia.

Não por acaso, Chico Mendes foi herói internacional antes de se tornar também emblema nacional. Seus aliados pelo mundo, que lhe deram essa projeção inédita, não foram capazes, no entanto, de evitar a sua morte. Talvez essa proteção fosse impossível dentro do Acre ou, mais precisamente, em Xapuri. Seus inimigos eram seus vizinhos, como o pai e o filho que tramaram o crime e o executaram. Só se salvaria se saísse dali. Não conseguiu.

Darly e Darcy também achavam nobre a causa que defendiam: o direito de desmatar dentro da sua propriedade, ainda que o domínio não tivesse valor jurídico e a prática levasse a uma devastação ecológica e humana. O fazendeiro fez várias vezes sua arenga contra o inimigo, que queria a volta dos seringais, de onde se extraía a melhor borracha do mundo, e a expulsão das fazendas de gado.

Na apoplexia do ódio, pai e filho ameaçaram diretamente o líder dos seringueiros. Depois de matá-lo e cumprir a pena de prisão a que foram sentenciados, de 19 anos, ambos saíram da cadeia convencidos de que o culpado foi o morto, que provocou sua morte com a ousadia e a teimosia da defesa da floresta.

Três décadas depois da tragédia, a atenção, o culto e o louvor dados a Chico Mendes são justos. Mas é uma impropriedade considerá-lo o herói maior da defesa da floresta amazônica. Suas campanhas não foram além do Estado do Acre, intensas mesmo na região de Xapuri, onde restavam os maiores seringais depois de uma venda massiva pelos antigos donos das terras, os seringalistas.

Dezenas de líderes populares de outros Estados foram mortos por praticar luta semelhante sem o mesmo destaque, ou nenhum. O campeão dessas mortes anunciadas é o Pará, que Chico nunca visitou para se inteirar dos gravíssimos problemas fundiários, sociais e ambientais. O Acre é muito mais preservado do que os vizinhos Mato Grosso e Rondônia, ou mesmo o Pará, com o maior desmatamento e a mais sangrenta violência.

A pecuária continuou a avançar no Acre e as reservas extrativistas, o ideal da causa sustentada por Chico Mendes, só se mantêm graças a subsídio estatal. Por isso mesmo, sem condições de se sustentar como tal por longo prazo em função da concorrência comercial e da pressão de outras unidades produtivas, apesar de 20 anos seguidos de governo petistas. O desmatamento da Amazônia como um todo não foi inibido – nem nas áreas já ocupadas pelas frentes econômicas nem nas novas fronteiras, como o Amazonas, o maior dos Estados.

Chico é herói acreano (gentílico que passou a ser dicionarizado como acriano, sem consulta aos nativos) de verdade. Mas virou passado. O fim da Amazônia prossegue. Furioso, como sempre.

Discussão

3 comentários sobre “O herói do Acre

  1. Lúcio: você saberia dizer em que local na Gaspar Vianna (Rua da Indústria), sob o número 33, ficava a Folha do Norte antes do novo prédio inaugurado em 08 de junho de 1931?
    Haroldo Maranhão diz que o jornal O Imparcial era vizinho à sua residência (o último pavimento da FN); teria sido esse prédio o segundo endereço da Folha?
    Estamos tentando organizar a configuração da FN a partir das fotos do livro Querido Ivan.
    (haroldobaleixe@gmail.com)

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    Publicado por fauitec | 21 de dezembro de 2018, 15:09

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  1. Pingback: A ignorância vira manchete: Ricardo Salles e Chico Mendes - 26 de março de 2019

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