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Cultura, Governo, Política

O silêncio da cultura

O leitor William, através do e-mail rafaelwssben@gmail.com, reagiu ao meu artigo A Cultura tem Dono. As colocações que fez servem de oportunidade ára tentar, mais uma vez, suscitar uma atividade cada vez mais rara por aqui: um debate de ideias e informações. Para isso, primeiro reproduzo a parte inicial do artigo. Depois, o comentário do leitor. Finalmente, a minha resposta.

O ARTIGO

A Secretaria de Cultura do Estado pagará 110 mil reais para 35 profissionais por sua participação na 23ª Feira Pan-Amazônica do Livro (com o acréscimo deste ano ao título do “e das Multivozes”). Dá uma média de R$ 3,5 mil per capita, entre um cachê mínimo de R$ 500 e um máximo de R$ 25 mil, com valores intermediários de R$ 10 mil, R$ 7 mil ou R$ 5 mil. Isso, apenas com os atos publicados na edição de hoje do Diário Oficial do Estado.

Não é muito, embora esteja muito acima dos valores praticados no mercado particular. O Estado remunera mais. Embora de forma desigual e arbitrária. As contratações são por inexigibilidade de licitação ou através de instrumento substitutivo de contrato.

Mas não se sabe por que há a contratação direta, a base da pauta de valores para a remuneração e os critérios de avaliação da qualidade dos profissionais. Os atos de inexigibilidade, por exemplo, não informam sobre o domicílio do contratado, que é exigência legal.

Não sei se a não realização da licitação foi precedida da justificativa da sua dispensa. Se foi e repetiu os documentos usuais, fica-se sem saber qual a fundamentação para a contratação de profissionais desconhecidos. Parece que alguns deles foram contratados sem que se tenha conhecimento da sua especialidade, já que o objetivo de suas participações não foi detalhado. A referência é genérica: mesa redonda, palestra, por aí.

Não há um termo de referência para clarear as coisas nem um conselho consultivo. As escolhas são atos de império do secretário. Ele pode favorecer os amigos do rei ou os compadres do patrono. Observa-se que vários dos artistas, desconhecidos ainda, moram na periferia.

Ótimo que o Estado induza seu surgimento ou apoie sua criação. Mas quem são? É preciso identifica-los para que não seja uma ação entre amigos, proselitismo político ou mesmo formação de agente comunitário e cabo eleitoral.

Em matéria de cultura oficial, a diretriz do Estado ainda é aquela ditada por Luís XIV: l’État c’est moi (eu sou o Estado). Com as iniciais PCF ou UVSM.

O COMENTÁRIO

Lúcio, peço calma. Alguns valores estão realmente exagerados, como os da Djamila, mas o sr. deve saber o quão difícil é ser artista, e ainda quando não se é conhecido pela massa, e ainda mais grave nessa cidade que pouco se importa pela arte. Tua matéria dá a impressão que os artistas não são dignos de receber tais valores. “Alimente o artista”, pois.

A RESPOSTA

Eu escrevi com toda calma. Acho que você é que leu apressado, chegando a essa conclusão injusta.

Os cachês pagos estão muito acima do mercado. Só o Estado paga tanto a artistas. O efeito desse suposto paternalismo é criar dependência.

Como não há um conselho para ponderar e filtrar a vontade absoluta do rei (o secretário de cultura) nem há termos de referência para a avaliação de quem receberá esse alto cachê, ficamos sem saber quem possui qualidade, de fato, para ser contratado diretamente sem passar pela licitação pública.

Note-se que, na esmagadora maioria, são profissionais (e, sobretudo, não profissionais) em início de carreira (sem que se saiba sequer se carreira haverá). Raramente um nome já testado no mercado é contratado. Esses profissionais continuam sua ronda pela sobrevivência recebendo pouco ou mesmo uma miséria, apesar do valor reconhecido que alcançaram.

Boa parte do dinheiro pago não chega ao artista, sobretudo nas emendas parlamentares. Como aconteceu no caso famoso de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o assessor (no caso, o artista desconhecido, do interior do Estado). Volta ao parlamentar e sua curriola. Por isso, como está no título, é um dinheiro bumerangue.

E os artistas: por que se calam?

Discussão

Um comentário sobre “O silêncio da cultura

  1. Aliás,não custa lembrar que uma das exigências legais para enquadramento no critério de inexigibilidade, é que o artista seja um profissional reconhecido, pelo público e/ou pela crítica.

    Para os artistas iniciantes, o governo deve disponibilizar outras formas de apoio (mostras, festivais, auxílio à produção de discos, etc). Não se aplica, a esse caso, a contratação como profissional.

    No que respeita à declaração de inexigibilidade de licitação, o reconhecimento do público e/ou da crítica está para o artista, assim como o “notório saber” está para os profissionais das áreas técnico-científicas.

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    Publicado por Elias Granhen Tavares | 28 de agosto de 2019, 12:49

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