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Imprensa, Política, Saúde

O jornalismo

Em seu artigo, publicado hoje no blog, Alex Fiúza de Mello trata da “guerra de narrativas” na imprensa brasileira sobre a pandemia da Covid-19. Enumera as “informações desencontradas e distorcidas, sem a devida comprovação e imparcialidade dos dados anunciados”.

Diz que são “versões enviesadas e/ou desonestas das matérias publicadas, como se os órgãos de comunicação, ao invés do compromisso ético (e primordial) com o interesse público, fossem meros instrumentos partidarizados e/ou ideológicos, associados a interesses econômicos e políticos inconfessos, com o uso desavergonhado do vírus como ‘palanque político’?!”.

O que fulmina a avaliação de Alex é ser genérica e absoluta. Não há uma imprensa brasileira monolítica, toda ela contra Jair Bolsonaro. Não há nem mesmo uma só imprensa parcial, tendenciosa, incompetente, facciosa, sem credibilidade. Muitos dos órgãos têm esses defeitos e vícios. Outros, nem tanto.

Sejam passionais, partidários ou comprometidos com interesses políticos ou empresariais, não de agora, mas de há muito, ainda assim sobram alguns espaços – ou nesgas de espaços – para que bons jornalistas e colaboradores publiquem boas reportagens, bons artigos e exerçam uma marginal – ainda que permitida – liberdade de pensamento e de expressão.

Ruim com essa imprensa hegemônica, pior sem ela. Logo depois do golpe de 1964, os novos donos do poder pressionaram o jornalista Júlio de Mesquita Filho, dono do então poderoso O Estado de S. Paulo, conspirador destacado e ativo do movimento civil-militar para depor João Goulart, a demitir os comunistas da redação do jornal.

O “doutor Julinho”, que purgou exílio no Estado Novo de Getúlio Vargas, não negou que fossem comunistas, mas reagiu com energia: “são meus comunistas”. Um dos principais editorialistas, Miguel Urbano Rodrigues, era dirigente do Partido Comunista de Portugal quando fugiu da ditadura de Salazar. Outro era o editor Cláudio Weber Abramo. Nenhum comunista foi demitido.

O nefando lixo Roberto Marinho (para Paulo Francis, que depois se tornou empregado dele, com o melhor salário da imprensa brasileira) teve a mesma atitude. Manteve como editorialista o comunista maranhense Franklin de Oliveira, inimigo de José Sarney, protegendo-o dos seus perseguidores. Mereceu até o fim a gratidão do culto Franklin.

Eu próprio posso citar meu liliputiano exemplo. O filho do “doutor Julinho”, que era o “doutor Júlio Neto”, me deu apoio em várias situações complicadas e aprovou meus projetos, apesar de resistências internas e advertências externas. Não por eu ser comunista ou o que se assemelhasse a essa virose, mas por ser independente e ter os bandeirantes paulistas na minha mira.

Minha gratidão ao “Estadão” do “doutor Júlio” não tem tamanho. Muito do que sou e fiz devo às condições de trabalho do jornal, que não se curvou à censura instalada em sua redação. Mesmo quando me demiti, depois de 18 anos ininterruptos na “casa”, a levar bordoadas dos poderosos, o dono me ligou para tentar me convencer do contrário.

Outro erro de Alex é fazer uma crítica a um só dos lados da “guerra de narrativas”, dando razão apenas aos que elogia. É direito dele criticar o pouco ou nenhum destaque que ele considera faccioso à “carreata quilométrica no centro de São Paulo, contra as medidas do Governador João Dória”, grifando o que deveria ser uma opinião pessoal e transformando-a numa certeza, que deveria ser partilhada pelos demais. Para ele, a carreata foi “indubitavelmente o fato político mais relevante do sábado, 11 de abril”.

Por outro lado, “a ida do Presidente da República a uma padaria (ocorrência sem qualquer valor jornalístico significativo) auferia destaque, na mesma ocasião, em quase todos os noticiários desses órgãos?!” da imprensa brasileira.

Seria então um absurdo internacional, do qual participaram os principais órgãos da imprensa mundial, escandalizados pela atitude do chefe do governo de não só contrariar, mas desafiar e desmoralizar uma diretriz do órgão competente do seu próprio governo, além da Organização Mundial de Saúde.

Só por ter sido único e extravagante exemplo no conjunto dos governos de todo planeta, o fato teve o destaque devido. Não por parâmetros ideológicos, políticos ou demonológicos: pelo critério editorial de qualquer jornal sério.

Para Alex, é absurda e injustificável a publicação de uma foto “com centenas de covas enfileiradas num cemitério de São Paulo, em dimensões absolutamente desproporcionais às ocorrências locais dos óbitos da pandemia, com o único e aleivoso objetivo de impactar negativamente a sociedade com a imagem ‘plantada’ e propagandear, internacionalmente, uma inverdade (fake News) forjada – servindo até de capa para o reconhecido jornal norte-americano The Washington Post?!”.

A foto existiu de fato Não foi inventada, montada, plantada. É jornalismo, sim.

Jornais de todo mundo têm publicado fotos semelhantes. Como a de Nova York. Ou as das cidades da região de Bérgamo, na Itália. Na Espanha. Na França. São imagens chocantes, mas é a realidade. Se não fosse, como fato consumado ou em perspectiva previsível, o Exército brasileiro não estaria fazendo um levantamento nacional do número de cemitérios no país e da quantidade de covas disponíveis, certamente para planejar, se antecipando ao que poderá vir.

A pandemia da covid-19 é um fato novo, surpreendente, desconcertante, terrível. Alex tem toda razão de criticar o que é apresentado à opinião pública como verdade quando ainda não há comprovação científica. Mas, ao tomar partido para um dos lados da guerra de narrativas, ele incide no mesmo erro.

Como o de considerar “bloqueio sistemático (ou o menosprezo) à abordagem e divulgação do uso da hidroxicloroquina no tratamento do Covid-19 – não obstante os resultados clínicos positivos já comprovados em muitos hospitais do país e em nível internacional –, como se tal ‘pauta’ fosse socialmente desprezível – ou viesse a ‘atrapalhar’ as notórias e ‘funcionais’ estratégias midiáticas de fertilização do ‘terrorismo pandêmico’?!”.

Meu próprio blog poderia ser enquadrado nessa classificação altissonante, irredutível, inquisitorial. Tudo que publiquei sobre a cloroquina, usando minha própria experiência de décadas na convivência com a cloroquina no combate à malária nas frentes pioneiras da Amazônia, e o que aprendi ultimamente, foi selecionado a partir de vasta consulta a material nacional e internacional. A média dos exames desaconselha o uso da hidrocloroquina como remédio miraculoso para o novo coronavírus. E deixa o tema em aberto, à realização de mais pesquisas.

Não vou comentar os dois parágrafos finais do artigo de Alex, que me chocaram por sua fúria de metralhadora sem calibragem e adjetivamente extremada. Fiquei surpreso e chocado pelo texto, que não faz jus ao autor, que sempre admirei por sua postura racional, equilibrada, ponderada e humanista. Parece um Calibã temporariamente transtornado. Espero que ele supere este momento tão difícil na vida de nós todos.

Discussão

10 comentários sobre “O jornalismo

  1. Lúcio, esse texto do Alex merece um só destino: a lata de lixo. Por urbanidade no trato a ele, que é uma pessoa afável, não sugiro que o autor tenha o mesmo destino. Mas que dá vontade, dá. Miguel Oliveira.

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    Publicado por blogdoestado | 19 de abril de 2020, 14:08
  2. Com o devido respeito, mas eu não daria espaço no site a quem tem paixões políticas descontroladas. É momento de escutarmos o que a Ciência recomenda.
    Está tudo registrado em filmagens. Bolsonaro mesmo tendo os seus próximos infectados pelo coronavirus, e com um teste que ninguém sabe o resultado, saiu às ruas cumprimentando e tocando as pessoas. Além de continuar a se mostrar contra o isolamento e incentivar com suas redes de notícias falsas a revolta entre os seus seguidores. É gente fazendo carreata e impedindo ambulância de transitar em SP, outras se aglomerando pra gritar “Mito”, outros desmentindo testes de tecnologia de ponta apenas para não conflitar com o que diz o seu dEUS Bozo…
    Bolsonaro nem precisa de adversários políticos ou de imprensa pra se destruir, ele é autossuficiente nisso. Só não enxerga quem a Ciência desconhece ou quem põe o Bozo acima de tudo.

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    Publicado por Adriano Maciel | 19 de abril de 2020, 15:19
  3. Quando os três poderes estão podres cabe ao quarto poder, imprensa livre, a salvação .
    Será que o Brasil está lendo Gandhi?

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    Publicado por Valdemiro | 19 de abril de 2020, 15:31
  4. Acho bastante estranho o texto do Sr. Alex, principalmente, desconsiderando as atitudes nefastas do atual presidente, que mais prejudica que ajudam. Isso, em um momento que precisamos do mínimo de compromisso com a sociedade. Os corpos estão se avolumando, e acho que isso não é fantasia.

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    Publicado por Everaldo | 19 de abril de 2020, 16:06
  5. Lúcio,
    Que bom que gerou polêmica e incomodou. O corporativismo também!
    Dar destaque a uma dimensão da realidade é uma estratégia pedagógica de denúncia, que aqui ratifico.
    A imprensa é livre – e deve continuar a ser, para o bem da democracia. Por isso, tem de ser criticável tb! O tempo todo, se necessário. O que a Globo e a Folha estão fazendo (por isso foram explicitamente citadas) é um crime contra o código de ética do jornalismo. Outros veículos também manipulam, do outro lado, claro. Mas o “pecado” maior é dos grandes – tradicionalmente monopolistas da “verdade”.
    Jogar no lixo o artigo, ou não, é um direito de cada um.
    Sigo a minha consciência e aquilo que observo dos fatos. Não estou preocupado em agradar ninguém, tão somente em contribuir à reflexão e ao debate.
    Continuo achando que o centro do problema nacional não é o Bolsonaro, mas a tentativa de retomada do poder pelo tradicional – e já desnudado – “mecanismo” – ao qual estão associados alguns desses grandes grupos de comunicação. É isso precisa ser denunciado, pro bem da república! Simples assim.
    O tribunal sempre será o da história- dizia Hegel. E assim será!
    De qualquer forma, a publicação da matéria demonstra a tua abertura ao contraditório, caro Lúcio, com a coerência de sempre.
    Tenhas, porém, a certeza de que estou em plena lucidez de minhas faculdades mentais e sigo a linha de argumento que tenho sustentado em outros artigos.
    Ter “agitado” o meio “sagrado” já é gratificante por si mesmo.
    Grato pela oportunidade!
    Forte abraço!

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    Publicado por Alex | 19 de abril de 2020, 16:47
    • Vamos continuar então na dialética da verdade.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 19 de abril de 2020, 17:04
      • Sempre!
        E sabes muito bem que tudo, na vida, é contraditório – e mutante, conforme o contexto.
        Se a imprensa livre é condição da liberdade e da democracia (aliás, um de seus principais alicerces!) – que o digam os habitantes da China e da Venezuela -, o seu mau uso pode ser também “como rãs na tempestade, que gritam tão alto que nos impedem de ouvir a chuva”.
        Abs

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        Publicado por Alex Fiúza de | 19 de abril de 2020, 17:25
  6. Não sei se o jornalismo tá na UTI, mas tem muitas pessoas nela tem. E muitas morrendo sem ter chance de passar por elas. E muitas com a conivência do bolsonaro.

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    Publicado por Everaldo | 19 de abril de 2020, 18:39
  7. Penso que nesta época tão difícil em que vivemos não deveria haver espaços para textos reacionários e tendenciosos, como os do Sr.Alex Fiuza. Estamos num combate contra um inimigo invisível e forte, enfrentando, além disso, um presidente enlouquecido. É hora de todos nos posicionamos a favor da Vida e do bom senso, calando a voz daqueles que falam a favor do Hitler Tupiniquim.

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    Publicado por Tereza | 19 de abril de 2020, 20:42
  8. Diariamente leio seu Blog ,Lucio ,e não entendi as criticas ao artigo do Prof. Alex Fiuza de Melo.

    Ficou claro pra mim, que o que foi questionado pelo mesmo é a postura claramente imparcial da grande imprensa,
    em relação ás informações sobre essa Pandemia que entristece a toda humanidade .
    Estão se aproveitando desse fato para tentar derrubar ,juntamente com alguns governadores ,prefeitos e outras autoridades o Presidente da República.
    Não lí no artigo do Prof .Alex nenhuma referencia elogiosa ao procedimento do Presidente .
    Refere-se somente ao comportamento indigno de parte da imprensa brasileira.

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    Publicado por Jaime Soares | 11 de maio de 2020, 10:57

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