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Cidades, Cultura

A praça não é do povo? Então…

Paulo Faria – Teatrólogo e cronista

Estive na semana passada no Museu do Estado do Pará (MEP). Era um sol das 13h sobre o meu chapéu de palha de aba larga da Ilha do Mosqueiro. Fui caminhando pela praça da Bandeira, Academia Paraense de Letras, Casa Rua e a Praça Felipe Patroni, eternamente abandonada, desértica, sem sombras. Quem caminha sabe da importância dos tuneis de mangueiras em Belém.

O entorno da praça é formado por um dos conjuntos arquitetônicos mais bem conservados e charmosos de uma Belém de outrora. Do centro da praça, em 360 graus, a visão é incrível. Podia ser uma extensão cultural do Palácio Antônio Lemos “de portas abertas para as praças”. Com um palco permanente temporário na porta dos fundos, no calçadão em frente à praça, e às 17 ou 18 horas, show musical, amenizando o cansaço do dia e o transito no retorno da classe trabalhadora, e atrairia público diverso para o local, que poderia ter feirinha de artesões (sem elétricos e eletrônicos) e gastronomia.  Levando o artista para onde o povo está.

Ao lado tem a digna Casa Rua, que podia ser aliada no diálogo com a população em situação de rua, e que tanto medo mete aos munícipes.

A cultura na rua é a melhor segurança, experimente.

E no meio fio na rua da lateral do palácio do governo Lauro Sodré, deveriam ser plantadas mangueiras jovens e aumentar a calçada, exemplarmente trabalhada na acessibilidade para pessoas com dificuldade de locomoção. Fazendo par de vaso, a calçada de mármore do palácio da prefeitura, do outro lado.

Não faz sentido aquela largura toda de asfalto naquele trecho. Devia aumentar o passeio público. E a calçada acima e alta, no MEP, deveria receber mesas com guarda sol para sorvetes e sucos. Um portal para a praça Pedro II, praça do Relógio, o rio e todo o entorno.

Quando criança morava no bairro da Campina, saia do colégio Rui Barbosa, na Cidade Velha, passava em frente a capelinha de São João, fazia promessa para mamãe deixar eu ir ver o filme que passava no cine Guarani. Na ida e na volta, ficava na ponta dos pés, na janelinha da porta, para ver dentro a programação nos cartazes. Ali eu vi “Ah se minha cama voasse”, “O Mágico de Oz”, “Noviça Rebelde” e muitos Chaplin, Mazzaropi, O Gordo e O Magro. Nessa época eu ainda não conhecia o cine Olympia e o Palácio.

Quando ia ao cinema, eu e a turma colhíamos tamarindo na praça e sentávamos no chafariz, de onde saía água do meio, que ia caindo em bebedouros de pássaros. Ficávamos ali, esperando o cinema abrir para primeira sessão da tarde, quando o Santo nos ajudava. Eu devia ter 7 anos.

Ficávamos olhando para aqueles casarões e palácios lindos. Hoje os bancos estão quebrados ou não existem, o chafariz virou canteiro e as árvores em que subíamos, sumiram. E não há mais jardim, nem flores.

Ao menos o cinema ainda conserva a arquitetura art decor. Quem sabe um dia possa ser recuperada a sua origem e tradição num bom diálogo com o atual ocupante.

Em compensação a capelinha de São João, hoje, está sempre aberta. Nunca lembro de ter visto aberta nesse tempo da minha infância.

Depois de 15 minutos caminhando da praça da República, onde minha cabeça virou sede da prefeitura por alguns minutos solares, e ao constatar que é muito bom sonhar caminhando, enfim, chego ao MEP.

Foi a primeira vez que visitei o prédio como museu. Só havia visitado o segundo piso, que era conservado com todos os móveis originais de quando era o Palácio dos Governadores.

Na imponente entrada, dois bunners, um com o rosto de um velho índio, outro com o de um jovem índio, já nos impacta. Ali onde foram conspirados muitos crimes, até extermínio de povos indígenas, em priscas eras, tem uma importância simbólica imensurável. Um impacto bom para respirar e organizar as ideias e os pactos sociais. Respire. Amazônia, pois.

Assim como o sorvete lá fora. Faz falta um café na sala de entrada. Espaços para filosofar a arte, feita para ser devorada, assim como as iguarias, aguçando todos os sentidos, por fim. Também não há nenhum folder ou catálogo. Nas exposições a que tenho ido em Belém, esse é um item abolido, porém muito importante para a memória da cidade.

A exposição integra a Coleção BEI, que abrange mais de 1.300 peças esculpidas em madeira, sendo a maioria em formato de animais, que revelam a beleza dos grafismos, alguns coloridos com pigmentos diversos.

Desenhos esses que respiram, que recriam as peles e saltam aos objetos, ou ao inverso. Poemas.

Cada desenho é marca de uma tribo.  São bancos de mais de 40 povos, entre eles Asurini do Xingu, Araweté, Kalapalo, Kawaiwete, Kayabi, Trumai, Wajãpi, Tukano, Ye’kwana.

A Mostra reúne 142 peças.

Os objetos estão entre a arte e o artefato, o sagrado e a mercadoria, a tradição e o contemporâneo.

Feitos em madeira, muitas vezes em formato de animais ou geométricos.

A exposição está dividida em duas partes, a primeira é dedicada à extensa produção da Terra Indígena do Xingu, localizada no Mato Grosso.

A segunda parte reúne demais povos indígenas de várias partes da Amazônia, localizadas no Acre, Pará, Tocantins, Maranhão, Roraima, Amapá e Amazonas.

Cada objeto é a expressão de cada etnia e seus múltiplos sentidos e usos. O resultado é de uma sofisticação ímpar.

A exposição está muito bem iluminada, e as fotos ampliadas das pessoas indígenas, feitas pelo fotógrafo Rafael Costa, são belas e se amalgamam aos bancos pelos grafismos, expressões e cor. Tornando a vida mais bela no cotidiano.

Uma trilha poderia fortalecer ainda mais o já potente encontro.

“Bancos Indígenas do Brasil – Grafismos”. Com curadoria de Marisa Moreira Salles, Tomas Alvis e Danilo Garcia.

A exposição segue até o dia 30 de julho, de terça a domingo, das 9h às 17h.

A entrada é gratuita.

Vá. Saia da cadeira e vá ver os bancos. O resultado é encantador. Inspire-se.

Discussão

Um comentário sobre “A praça não é do povo? Então…

  1. Também estive nessa mostra dos bancos indigenas,e me apaixonei. Os alunos de todas as escolas publicas e privadas de Belém deveriam visitar essa mostra. A arte salta aos olhos.

    Realmente um pouco mais de ublicidade não faria mal a ninguem. ;eu também fiz a minha parte eenchi o face de fotos

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    Publicado por Associação moradores da Cidade Velha de Belém - | 30 de abril de 2024, 11:33

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