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Imprensa

Façanha infame

Sou leitor assíduo e atento de jornais há quase 60 anos. Sou jornalista profissional há quase meio século. Nunca vi uma capa mais nojenta do que a de hoje do Diário do Pará. É inédita nos anais da imprensa mundial: imagens de cinco cadáveres ocupam mais da metade da primeira página, sob o título “Violência sem limite – Acaba logo, 2015!”. Dentro do jornal, o caderno de polícia acrescenta mais 10 fotos de mortos.

A originalidade indecorosa é que Belém não está em guerra civil. As pessoas com seus corpos impressos no papel foram assassinadas por bandidos, em troca de tiros ou em acidentes. A mensagem subliminar do jornal é que se trata realmente de uma guerra não declarada nem formalizada, na qual, em 24 horas, nove pessoas foram mortas em três municípios da Grande Belém e em Castanhal, um pouco mais distante.

O autor da edição, que é de responsabilidade do diretor de redação, Klester Cavalcanti, quis jogar a responsabilidade por esse incontestável estado de insegurança pública sobre os ombros do governador Simão Jatene, adversário político dos donos do Diário, os Barbalhos.

A maior vítima da sua decisão, porém, é o leitor em particular e o público em geral. Primeiro pela criatividade de mau gosto, fazendo graça de humor negro em final de ano. A pessoa que montou as fotografias e redigiu o texto não leva em conta a responsabilidade social da imprensa. Age sob o impulso irresponsável que sua posição, em um gabinete, sem contato direto com o público, avaliza.

Em segundo lugar, porque o comercialismo anda de mãos juntas com o interesse político nessa diretriz editorial. Uma foto de uma pessoa assassinada seria suficiente para ilustrar o tom editorial de advertência sobre a violência. Quinze fotos de cadáveres significa a redução de tudo ao objetivo de vender jornal, lançando mão de instintos humanos malignos.

Anote o leitor os (ir)responsáveis formais por esse espetáculo de infâmia: Jader Barbalho Filho, Klester Cavalcanti e Gerson Nogueira, os responsáveis no expediente do jornal pelo que nele sai. À sombra, o maior responsável: o senador Jader Fontenele Barbalho, do PMDB, cujos alegados compromissos sociais evaporam quando se trata de transformar os seus veículos de comunicação em instrumentos de comércio e política.

Discussão

13 comentários sobre “Façanha infame

  1. Não querendo defender o diário, mas no whatzap circulam fotos/vídeos mais fortes, no face idem, vi todas essas execuções do estado islâmico, pessoas decapitadas, execuções sumárias, etc…é só ir na rua e perguntar que viu algum tipo de vídeo chocante nesses dias.

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    Publicado por João Pablo UFPA | 30 de dezembro de 2015, 14:00
    • Mas é outro contexto, João Pablo. Na internet a expectativa é de que tudo é possível, a partir da admissão do anonimato. É um meio individual de expressão, embora, felizmente, cada vez mais suscetível de cobrança de responsabilidade pela via administrativa e judicial, cada um respondendo, a posteriori, pelo que fez. Um jornal é uma organização formal, sujeita ao cumprimento das leis e a códigos de conduta, incluindo o dos patrões, subscrito pela ANJ, da qual o Diário é associado. Nem o Diário respeita essas regras nem a Associação Nacional de Jornais as faz cumprir, sujeitando-se ao compromisso corporativo.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 30 de dezembro de 2015, 15:27
  2. O problema da divulgação irresponsável dessas fotos é a naturalização da violência, sem nenhuma utilidade. O fato de proteger a imagem dessas vítimas não implica em falsear a verdade sobre os índices de violência, incontestavelmente assustadores em Belém, mas em respeitar o direito do leitor de se chocar com a selvageria, de nao ter que ver todas as manhãs corpos mutilados sobre infindáveis poças de sangue. EU QUERO (E TENHO O DIREITO) DE ME CHOCAR, DE ME INDIGNAR COM A VIOLENCIA! O pior de tudo é a motivação: vender mais. Dane-se o corpo, a memória do morto ou a sua família. Jornalistas não sabem que devem ser éticos? Não sabem que é dever do profissional proteger a imagem da vítima, conforme preconiza o art. 201, 6°, do CPP? Ou a exigencia legal só vale para a irresponsável elite paraense, frequentemente envolvida em crimes silenciosos, sem nenhuma repercussão midiática?

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    Publicado por Marilene Pantoja | 30 de dezembro de 2015, 16:06
  3. Pobre leitor paraense que não tem nenhuma opção na grande imprensa, a não a leitura desses dois jornalecos de quinta categoria que não tem nenhum compromisso com a notícia isenta e muito menos com a ética jornalística!!!

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    Publicado por mvpsantosMarcus Santos | 5 de janeiro de 2016, 08:18
  4. Quando os familiares entrarem com acoes judiciais pleiteando danos morais e o judiciário condenando pedagogicamente esses jornalecos, eles deixa de publicar essas imagens. Ministerio Publico se nao fosse tao inerte tambem poderia pleitear danos morais coletivos, mas os membros do nosso MP estao mais preocupados com os pacotes de bondades que sao dados a eles.

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    Publicado por Aladio Oliveira | 5 de janeiro de 2016, 21:45
  5. Para quem fica chocado com a realidade nua e crua exposta pelo Diário do Pará, é só não comprar, ignorar, passar adiante… Eu, por exemplo, não leio o caderno Polícia, mas gosto muito do Bola, TEM, Repórter Diário e diversos outros conteúdos do jornal. Infelizmente não posso aconselhar da mesma maneira o cidadão comum, que sai às ruas diariamente sem a certeza de que vai retornar ao lar devido, principalmente, à inércia dos órgãos públicos, cuja omissão faz a certeza da impunidade potencializar a violência. Isso não dá para ignorar, politicamente ou não, tem que se tentar uma solução, ao menos um brado de alerta aos desavisados, mesmo que causando náuseas aos estômagos mais sensíveis, no rol dos quais incluo o meu.

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    Publicado por André Carim | 7 de janeiro de 2016, 09:40
    • Eu leio sempre e continuo a me indignar com esse jornalismo tão rasteiro que provavelmente não tem igual no mundo inteiro. Já fiz muitas matérias nessa área sem precisar apelar para o sensacionalismo e respeitando as pessoas, mesmo aquelas das quais apresentava um retrato péssimo. É possível fazer reportagem “de polícia” de bom nível e informativa.
      Aproveito para convocar os leitores para uma pesquisa coletiva: há algum jornal no mundo que publique fotos de cadáveres e, se existe, publica tantas fotos como o Diário?

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 8 de janeiro de 2016, 10:22
  6. Poucas vezes lí jornais tão sanguinolentos quanto os que circulam em Belém. Mas o desrespeito com o leitor é o mesmo desrespeito que a elite belenense tem para com tudo. Não há a menor perspectiva de a situação social da cidade possa ser alterada a médio e curto prazo. Esta violência escancarada nos jornais, até onde entendo, é o reflexo de um abismo social, construído ao longo de séculos. É uma sociedade sem mobilidade social alguma. Para conseguir qualquer coisa é necessário fazer parte de um esquema, alguma tipo de favorecimento. Por mais que a ilusão do “self made” seja um engodo capitalista, a completa estagnação, quase uma sociedade de castas (análise minha) que torna a cidade tão violenta. Não conheço os números da distribuição de renda no estado e na cidade, mas acredito que sejam péssimos. Como uma criança nascida e criada na miséria, sem creche, com uma escola publica sem condições de ensinar nada, terá chances de um futuro promissor? Claro que este caminho existe, mas é tão, tão mais dificil, que é quase inalcançável. Não existem cotas, pro-unis ou outros programas, que consigam suprir estas lacunas. Do que adianta ter uma boa formação, um curriculo decente, se na hora de ingressar no mercado de trabalho é necessário ser amigo do patrão, pedir um telefonema de um amigo, ou qualquer coisa que o valha. Assim, o acesso rápido e fácil que a vida criminosa dá aos bens almejados por grande parte da população, torna a crime tão atrativo. Mas claro que este problema não é encarado desta maneira. Parece que o problema é a falta de policiais e presidios, de medidas violentas e duras. Mas em uma sociedade miserável, nunca haverá prisões suficientes.

    Abs,

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    Publicado por Daniel Cruz | 7 de janeiro de 2016, 13:32
    • Excelente observação. Os acadêmicos deviam encarar o desafio proposto pelo Daniel.Precisamos de um novo Florestan Fernandes para aplicar em Belém a metodologia usada pelo esquecido mestre da sociologia no Brasil para revelar essa face – até então oculta – de SP. Quem pega o pião na unha?

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 8 de janeiro de 2016, 10:24
  7. Boa abordagem, Lúcio. É um verdadeiro absurdo o que esses dois jornalecos(Diário e Liberal) fazem diante de todos nós. Isso é jornalismo canalha.

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    Publicado por cleber miranda | 24 de janeiro de 2016, 17:59

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