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Imprensa, Justiça, Política

A sujeira pública

A jornalista Ana Célia Pinheiro acaba de divulgar no seu blog, A Perereca da Vizinha, uma carta aberta ao desembargador Milton Nobre.

Reproduzo esse texto não porque concorde com o que Ana Célia escreveu. Discordo frontalmente. Não é um texto jornalístico. Repórter das boas, que sempre admirei por sua tenacidade e compromisso com a busca dos fatos,

Ana nega essa condição nesse libelo – tão contundente quanto desarvorado, tão inflamado quanto desrespeitoso, tão pouco a Ana Célia Pinheiro, que eu lia com prazer e absorvendo as informações e ensinamentos que ela me proporcionava. Lamento muito, mais como seu leitor do que como seu amigo, que ela tenha produzido a obra que se vai ler abaixo.

Não a transcrevo para me aproveitar da algaravia da jornalista e assim realizar meus interesses sem me comprometer diretamente, como faz agora o Diário do Pará, de Jader Barbalho. Ele se serve dela, estimulando seus impulsos justiceiros, que não constituem missão de uma grande repórter, como ela foi.

Ana devia traduzir cada acusação que faz ao desembargador Milton Nobre em fatos, se possível fundamentados em provas válidos, ou na citação de acontecimentos. Onde está um adjetivo contundente, deviam estar relacionados acontecimentos e situações concretas que lhes dessem embasamento.

A utilização do que devia ser o produto de apuração jornalística em editorial, como fez o Diário, é uma anomalia, uma acusação à repórter desnaturada. Se fizesse jornalismo de verdade, e não estivesse em pleno retrocesso editorial, de volta à condição de partido político, o jornal da família Barbalho deveria ter usado o desabafo da jornalista como pauta para a devida apuração das informações. Como o jornal não quer chegar a tanto, ecoa maliciosamente o texto, na certeza de que, se houver reação, escapará do alcance da represália. Ana Célia pagará o pato.

O desembargador Milton Nobre já foi corregedor, vice-presidente e presidente do Tribunal de Justiça do Estado, além de membro do Conselho Nacional de Justiça. Chegou ao topo da corte sem fazer carreira na magistratura, graças a uma anomalia, inaceitável numa sociedade verdadeiramente democrática (da qual um dos pilares é a completa independência entre os poderes institucionais da república), que permite à OAB (e ao Ministério Público) ocupar um quinto das cadeiras de desembargadores.

Com esse currículo, ele deve seguir a sugestão da sua feroz acusadora: não deve processá-la nem intimidá-la nem persegui-la e, muito menos, recorrer a qualquer medida de força. Se a catilinária o ofende, deve atribuí-la aos ossos do ofício do serviço público, embora a lei ampare o servidor público nessas situações, punindo exemplarmente o alegado ofensor. Diante de um poder geralmente corporativo, essa atitude equivalerá a um tiro no pé.

O que ele pode fazer melhor à sociedade, diante dos ataques da jornalista (e de outros, como os que fundamentaram críticas – com outra configuração – que fiz ao seu desenho, do qual esperei inicialmente que fosse exemplar), é prestar contas à opinião pública – se possível, desfazendo cada um dos pontos abordados no texto.

Talvez ele se recuse a seguir esse caminho, a pretexto de que é melhor deixar que um texto desse tipo se desfaça por si mesmo. Mas o desembargador tem muitos inimigos (além de falsos amigos), que deverão estar reproduzindo o produto explosivo.

Se Ana Célia Pinheiro errou a mão (e como errou) neste texto, o judiciário paraense tem errado tanto que perdeu a premissa da inocência. Foi condenado ao enquadramento no oposto da regra da lei: é culpado até prova em contrário.

Meu objetivo é também colocar os dois grupos que dominam a comunicação no Pará, das famílias Maiorana e Barbalho, a meditarem um pouco sobre o mal que estão fazendo ao Estado com esse jornalismo faccioso e venal que têm praticado. A queda do nível a um limite abissal de desrespeito às pessoas e descompromisso com a sociedade está fomentando um clima de paixão, radicalismo e fanatismo que acabará resultando em alguma tragédia.

Em 1991 decidi publicar um texto pornográfico que Hélio Gueiros me mandou, apenas dois meses depois de deixar o governo do Pará, para mostrar a que ponto se deterioraram as lideranças políticas do Estado. Elas travaram uma luta imoral no ano anterior, da qual Jader Barbalho saiu vitorioso contra a máquina estadual, mobilizada para produzir votos em favor do candidato do governador, o iludido (e, depois, abandonado, tendo que pagar sozinho a conta da campanha eleitoral) Sahid Xerfan. Uma sujeira maior do que a da eleição deste ano em Belém.

O ex-governador cometeu aquela “coisa” achando que eu jamais a tornaria pública. Ao transcrevê-la, tive a mesma intenção que agora repito: mostrar a que ponto chegamos em degeneração da coisa pública neste tão maltratado Estado.

 

Em primeiro lugar, eu queria lhe parabenizar, doutor Milton Nobre, porque o senhor conseguiu, de fato, uma proeza: transformar o Judiciário paraense no prostíbulo mais arreganhado de todos os tempos.

Sob o seu comando, esse Poder magnífico, que é o Judiciário, transformou-se em mero capacho desse chefe de quadrilha que é o governador Simão Jatene.

Tornou-se, portanto, um mero fantoche da corrupção política e do crime organizado.

Nenhum processo contra essa quadrilha, por maior que seja o crime que cometa, consegue prosperar neste estado, devido a sua ação nefasta.

No entanto, todos os cidadãos mais bem informados sabem que é o senhor quem coordena essa rede de corrupção e tráfico de influência que hoje domina o Judiciário paraense, através da distribuição de benesses aos bandidos togados da sua marca, pelo governador.

Todos sabem que o senhor manipula a distribuição de processos, para que eles acabem nas mãos dos meliantes que integram a sua organização criminosa.

Todos sabem, mas ninguém fala, já que todos morrem de medo do senhor.

Porque de nada adiantarão provas, advogados ou o que quer que seja: ao fim e ao cabo, a sentença em um eventual processo será escrita pelo senhor, e alguma magistrado de quinta categoria apenas a assinará.

Hoje, o Judiciário paraense, sustentado pelos milhões de impostos dos cidadãos, serve apenas aos seus interesses e às quadrilhas que dominam este estado.

Os processos que o senhor determina, tramitam com celeridade impressionante, digna de uma Suécia. Já aqueles que o senhor não quer que andem, são simplesmente travados por algum de seus comparsas.

Corajosos e honrados juízes de primeiro grau, ainda tentam fazer Justiça, insurgindo-se contra a sua máfia.

Mas no Desembargo, o seu controle é quase total: um ou outro desembargador é que ainda busca, cada vez mais solitariamente, honrar a toga que veste.

Imagino como tamanho poder não lhe provoca quase um orgasmo, não é, doutor?

Imagino como o senhor se imagina “bom” e “puro”, ao papar uma hóstia, enquanto milhares de pessoas são assassinadas em nossas ruas, devido a sua psicopatia.

E eu creio que ao ver religiosos como o senhor, a papar hóstias ou a gritar aleluias, Deus deve é sentir uma tremenda ânsia de vômito.

Sei que ao publicar esta carta, doutor Milton, o senhor e a sua gangue transformarão a minha vida em um miserável inferno, até o fim dos meus dias.

Sei, também, que estarei sozinha; que muitos se afastarão de mim, como se portadora de algum vírus; e que outros tantos, a seu serviço, farão de tudo para destruir a minha reputação.

No entanto, depois de muito pensar, acabei concluindo que não há maneira de acabar com as quadrilhas que se apoderaram deste estado, sem antes desarticular a organização criminosa que o senhor comanda.

Nunca tive “vocação” para heroína, doutor Milton.

Sou é uma sobrevivente – e me orgulho disso.

Mas nestes últimos dias, ao refletir sobre a minha vida, percebi que não tenho rigorosamente nada a perder, ao enfrentar abertamente a sua gangue.

Vou fazer 56 anos. E como vivi desbragadamente, se Deus me conceder mais quatro, terei é que me dar por satisfeita.

Além disso, quando o Senhor meu Deus me chamar, voltarei pra Ele apenas com o meu espírito, que, por sinal, nem sequer me pertence, mas a Ele, como tudo o mais no Universo.

Processe-me, doutor Milton, como, aliás, já o fez, e o senhor me arrancará quase nada, já que o pouco que acumulei ao longo da vida não vale nem R$ 2 mil.

Mande me prender, e eu continuarei a pensar e a escrever, para que todos saibam, no presente e o futuro, o bandido que é o senhor.

Mande me matar através dos jagunços da quadrilha do seu comparsa, Simão Jatene. Mas tenha certeza de uma coisa: só partirei daqui quando Aquele lá em cima determinar, porque nem o senhor nem ninguém é mais poderoso do que Ele.

Vamos, portanto, jogar o “phoda-se”, doutor Milton, até o derradeiro fôlego de cada qual.

Eu contra o senhor e toda essa bandidagem togada que empesta este estado.

Desta feita, sem acordos, sem sorrisos, sem dissimulações.

Vamos jogar de maneira crua, tratando o senhor da maneira que merece, porque assim, quem sabe, desperte o sonolento CNJ.

O que não dá mais é pra suportar o triunfo dos seus crimes, à custa de milhares de vidas, em todo o estado do Pará.

Discussão

18 comentários sobre “A sujeira pública

  1. Lucio Flávio essa Ana Célia Pinheiro não tem mais a quem atacar e resolveu fazer isso com a pessoa errada, por mais que o momento político e judiciário do nosso amado Estado do PARÁ esteja conturbado, ela usou palavras desnecessárias e tenho certeza que ela vai pagar por isso, pior é que depois ainda vai se fazer de coitadinha no meio jornalístico !

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    Publicado por Anônimo | 3 de novembro de 2016, 19:09
  2. Lúcio,

    Qual a razão desse ataque? Não pode ser simplesmente político, por causa das eleições. Deve haver alguma coisa profundamente pessoal envolvida nesse desabafo público.

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    Publicado por Jose Silva | 3 de novembro de 2016, 20:05
  3. Tuas observações são pertinentes, Lúcio, sobretudo quanto ao uso que o jornal do Jader deve fazer – e o fará se entender que isso ajuda sua cruzada contra os Maioranas, Jatene e alguns juízes dos quais nutre sentimento de vingança por situações mal resolvidas que escaparam de seu controle político e caíram na tramitação processual – das incontinências verbais desferidas como uma bomba de fragmentação pela jornalista Ana Célia Pinheiro em direção ao Judiciário.

    As coisas que ela escreve na “carta aberta” ao desembargador Milton Nobre e, por extensão, à própria Justiça, são graves e certamente alcançarão aquilo que a própria Ana Célia busca em seu desafio: a manifestação pesada da Justiça. Ela deve ter avaliado até mesmo as consequências que advirão ao escrever o que escreveu e no momento em que escreveu. Temo, no fundo, que não esteja preparada para absorver esse impacto.

    Por outro, o Pará – e isto não é de hoje – assiste desde a eleição de 1982 um autêntico “vale tudo” entre os barões da comunicação, que claramente demarcaram um terreno, claramente movediço, em torno do campo de batalha de onde cada um dispara sua artilharia pesada contra o outro, numa guerra já perdida por ambos.

    E o jornalismo? Bem, esse foi o primeiro a ser abatido.

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    Publicado por Carlos Mendes | 3 de novembro de 2016, 20:22
  4. Mulher de coragem!!! Tem mais culhoes que muitos fdps desses estado!!

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    Publicado por Ronaldo | 4 de novembro de 2016, 00:52
  5. Do oportunismo da folha dos Barbalhos em situações como essa, nós já sabemos. Do silêncio do Sindicato dos Jornalistas , idem.
    Resta saber que órgão de imprensa ou das redes sociais vai dar voz à grande jornalista e repórter paraense , para que ela possa pessoalmente esclarecer o que nós leitores e leitoras do seu texto-desabafo , aqui reproduzido e analisado , precisamos saber para que não fiquemos apenas na esfera da especulação.
    Sugiro que este blog , em respeito à carreira de jornalista de Ana Célia Pinheiro e a difícil situação em que ela se encontra , lhe dê a oportunidade de fala e explicação de seu ato , entrevistando-a .

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    Publicado por Marly Silva | 4 de novembro de 2016, 10:02
  6. muitas verdades na carta…

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    Publicado por marcos | 4 de novembro de 2016, 11:07
  7. Isso tem fundo político, uma pessoa que se julga jornalista e tem esse tipo de comportamento só demostra a sua total falta de ética em analisar situações políticas, como eu sempre leio as repostagens dessa jornalista fica muito fácil fazer um breve análise sobre os fatos, isso tá mais pra choro de perdedor que tenta procurar alguém para cuspir suas mágoas, pois bem jornalista o choro é livre mais só um aviso cuidado pra tuas lágrimas mais escorrerem pra dento da tua própria vida !

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    Publicado por Anônimo | 4 de novembro de 2016, 11:24
  8. Seria por demais escandaloso reconhecer que até o tapete que escondia os “bons costumes” dos bons-moços, filhos da tradicional família brasileira foi roubado?

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    Publicado por Luiz Mário de Melo e Silva | 4 de novembro de 2016, 15:37
  9. Não imagino que alguém em sã consciência e sem motivo algum faça acusações graves desse naipe. Sugiro ao Desemb. interpelá-la judicialmente para que decline fatos. Caso não aponte e prove,faça-a pagar cestas básicas ou serviços comunitários. O que não pode ocorrer no meu ver é o dito pelo não foto.

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    Publicado por Adilson Garcia | 4 de novembro de 2016, 19:11
    • É a melhor solução para um servidor público. Interpelada por questões que o desembargador formulará, a jornalista terá que apresentar os fatos e suas provas. Não o fazendo, o passo seguinte é a ação penal e/ou cível, ela se calando ou suas respostas não satisfazerem o interpelante. Mas aí haverá a possibilidade de um debate público antes da instauração do processo judicial. É um passo complicado porque o desembargador será julgado por seus pares, o que imporá um julgamento o mais isento e competente que for possível. Essa é a dimensão subjetiva da situação. A outra, é a do interesse público, que exige o esclarecimento sobre a motivação da acusadora e a formulação da sua acusação.

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      Publicado por Lúcio Flávio Pinto | 4 de novembro de 2016, 20:02
  10. Está ousadia vai-lhe custar caro. Eu choro!!!

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    Publicado por Raymundo Almeida | 4 de novembro de 2016, 20:02
  11. Um texto exagerado e com muitos de autocomiseração. Tira Deus dessa briga desnecessária!

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    Publicado por naldo araujo | 5 de novembro de 2016, 08:26
  12. Pobre Ana !
    Vamos ver quando os profissionais vão começar a se mexer para formar um Consórcio Local/Nacional de jornalistas investigativos de modo a reunir fatos e provas que ela mesma ( suponho) não conseguiu reunir , daí seu desesperado desabafo .
    Triste os jornalistas não tomarem a iniciativa de ir ao seu encontro para saber mais de suas motivações e tentar de alguma forma ajudá-la .

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    Publicado por Marly Silva | 5 de novembro de 2016, 11:26

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