Depois da revolução de 1930 e até o final do regime militar, em 1985, apenas dois presidentes da república sofreram constrangimentos quando submetidos a acusações de corrupção. Em nenhum desses dois casos, através de um processo judicial regular.
O primeiro foi Getúlio Vargas, nos momentos finais dos seus 18 anos no cargo, em 15 deles ocupado por vias marginais (eleito indiretamente depois da revolução e transformado em ditador). A acusação de corrupção não era dirigida ao próprio Vargas, mas a integrante de sua família, o filho mais velho, Lutero, e da guarda pessoal, Gregório Fortunato.
Ainda assim, um tribunal anômalo, comandado por oficiais da Aeronáutica, se outorgou poderes de justiça e montou a “república do Galeão”, centro inquisitorial instalado no aeroporto da ilha do Rio de Janeiro. Getúlio deu a resposta final à crise política desencadeada por essa inquisição militar se suicidando. A história comprovou a sua honestidade exemplar.
O outro foi Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito – a muito contragosto pelos líderes militares – sucessor de Getúlio. Já como ex-presidente e candidato novamente ao cargo em 1965, JK foi submetido a humilhantes depoimentos que prestou ao grupo de militares incumbido de dar forma concreta a suspeitas de corrupção de Juscelino.
A principal acusação era relativa à construção da nova capital. Brasília teria sido o maior pasto até então entregue a empreiteiras. A partir daí elas se cevariam em obras públicas de tal forma que sua ação acabou no escândalo do petrolão. O IPM e a devassa da CGI, porém, não encontraram as provas para incriminar JK, embora ele depusesse sozinho, entrando e saindo da arena privada na surdina, e em estado profundamente depressivo.
Na redemocratização, José Sarney conseguiu chegar ao final do mandato manobrando a república, como até agora, diante das suspeitas e acusações de corrupção, como na licitação de uma das suas maiores obras, a ferrovia Norte-Sul (ainda inacabada).
Já o caso de Fernando Collor de Mello foi tão escabroso que ele foi apeado da presidência da república pelo impeachment. Itamar Franco foi um vácuo e FHC conseguiu escapar ao tiroteio moral e ético apenas com escoriações generalizadas, mas que enodoaram a sua biografia.
Depois do impeachment de Dilma Rousseff, chega-se ao caso de maior repercussão no qual foi envolvido um presidente da república. Comparado aos antecedentes de Getúlio e JK, é rasteiro. Se Luiz Inácio Lula da Silva fez o que lhe é atribuído, o que recebeu em troca do que fez tem a separá-los um buraco monumental.
Ou Lula é realmente inocente, ou foi medíocre na prática de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O pessoal da Petrobrás devia ter-lhe dado um treinamento melhor.
Essa premissa não leva à conclusão automática de que o líder petista está sendo vítima de uma conspiração (armada pela imprensa e a justiça, segundo ele reafirmou no discurso do dia 5, no congresso nacional do PT), ou que é absolutamente inocente.
O PT criou uma tal organização de corrupção, tráfico de influência e fisiologismo, com edulcoração ideológica, que tornou tudo possível, do zero ao infinito, emprestando-se a expressão de Koestler, que entendia muito do assunto ligado a fantasias ideológicas que encobrem como glacê dourado muita vilania a patifaria.
O processamento do ex-presidente assumiu uma dimensão inédita na história republicana brasileira por vários motivos. O mais óbvio é de que ele está sendo processado numa democracia, com garantias – ao menos na letra da lei e em tese – raras em qualquer parte do mundo.
O outro componente é controverso. Um processo que o instrutor procurou manter numa bitola técnica e com orientação competente, transbordou politicamente. Em parte, por erros, alguns deles graves, cometidos pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, principalmente o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e, nos últimos tempos, o próprio juiz Sérgio Moro.
Ainda assim, eventuais tropelias contra Lula não impediriam a sua defesa de se empenhar tecnicamente em provar a sua inocência. À medida que as provas contra o ex-presidente foram se adensando e multiplicando, a tática dos advogados foi se tornando óbvia: provocar incidentes para deles gerar uma falha formal que possa anular todo processo, desde o início.
No ardor de processos que passaram a ser medição de forças, ferindo a integridade da justiça, providências factíveis se tornaram impossíveis. Como a exigência da defesa de uma gravação independente da filmagem oficial do depoimento que Lula deverá (ou deveria) prestar a Moro amanhã, em Curitiba.
A defesa quer poder dispor de margem autônoma na montagem de uma base em imagens para uso em seguida, conforme lhe aprouver. O pretexto é que uma câmera focada apenas no depoente o constrange e o coloca em situação de inferioridade em relação ao juiz. Querem poder filmar todo ambiente.
A exigência foi negada por Moro, mas podia ser resolvida de outra forma: uma câmera em Lula e outra em Moro, que faz as perguntas. Igualdade de condições. Justiça, direito e democracia atendidos.
Mas é isso mesmo que se quer?
Lúcio,
Excelente artigo. Organiza muito bem os fatos, separando-os das inverdades que são disseminadas por ai.
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Obrigado, José.
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O bandido é que diz como deve ser realizado seu julgamento? Ele é apenas réu. O juiz é o juiz. Ponto. Parece aquele traficante da Colombia que se auto prendeu em uma mansão, com seus asseclas, de lá continuando seus negócios.
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Pablo Escobar.
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Tal como Lula, Pablito era também muito popular.
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meu pensar, mais e mais, o tenho: não existe corrupção sem corruptor.
O que o corruptor pode temer para não corromper? Onde esconderam as 10 medidas propostas pelo M.P.?
Em breve os corruptores serão lembrados como heróis. Delação, para ir cumprir pena na praia e continuar usufruindo dos frutos da corrupção?
Desviar o foco da causa é perpetuar a corrupção no Brasil.
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Isso mesmo, Miro.
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Excelente texto Lúcio. Podemos requerer infinitudes pro-cliente. Contudo, cabe separar o desmedido, o jocoso. Não bastasse todo o arsenal e claque movimentados p/ tumultuar o acesso ao prédio, ainda exsurge pedido de duplicidade de equipamento denotando o narcisismo da parte ?! Oxalá proteja a equipe do MPF e nosso brilhante Moro. Ademais, quem nada deve nada temer…
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Obrigado.
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Em 1930 não foi revolução, foi golpe!
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Explique melhor, caro Sanderson, essa sua interpretação heterodoxa do que houve em 1930.
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Algumas definições de Revolução:
– ato ou efeito de revolucionar(-se);
– grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina;
– movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais.
Como em 1930, houve troca de poder dentro do próprio poder, não posso caracterizar como revolução, mas sim, golpe.
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Todos, até os inimigos do movimento, o definem como revolução. Politicamente, acabou com a política do café (de SP) com o leite (de MG), a oligarquia dos coronéis, o cartel dos governadores, a fraude institucionalizada na votação e na apuração, o voto elitista (que não alcançava as mulheres), uma economia pesadamente dependente da exportação de café, um país rural e de economia primária. O Brasil mudou – e muito. Mesmo que para a maioria da população a situação não tenha mudado ou mudou pouco.
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Se não fosse a tal democracia seriam expostas as apodrecidas entranhas da corrupta elite? Todavia, tal exposição acabará com a democracia? Viva as redes sociais!
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O evento mais importante do país: https://www.youtube.com/watch?v=pKmnhA8j0hg
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Atualidade: https://analisedeconjuntura.blogspot.com.br/2017/05/lula-em-curitiba.html
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O MPF usou toda a praça pública para expor sua acusação a Lula. O juiz Moro, faz o mesmo quando quer. Porém, quando um “bandido” deseja que todos participem da POLÍTICA ao vivo, em praça pública, os canalhas da “democracia” usam a politicagem (“mão invisível” da corrupção), para tentar impedir o óbvio: que o tapete fora roubado. Nem na época do julgamento de Cristo houve nada igual.
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Já é demais! Querer comparar isso tudo com o calvário de Cristo é digno de fundamentalista fanáticos e sem noção.
Não há comparações, pois Cristo veio para salvar e se dispôs a morrer, para tanto. O Amigo quer é voltar ao poder.
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Se houvesse redes sociais na época do julgamento de Cristo, talvez a punição fosse branda.
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Mas se no extremo absurdo provocado pelo desatinado sacrilégio da comparação estapafúrdia, se hoje houvesse a escolha de Sofia entre crucificar o Cristo e o ladino “Amigo”, os cegos da seita bolivariana escolheriam por salvar o parlapatão, que se faz de cego.
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