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Cidades, Política

A história na chapa quente (234)

Estado e município:

polêmica de 1,99

(Artigo publicado no Jornal Pessoal 315, de janeiro de 2004)

Seguindo o modelo do líder, o prefeito Edmilson Rodrigues fez blague. Disse que não vai receber o programa de macrodrenagem das baixadas de Belém, de 265 milhões de dólares (mais de 600 milhões de reais)  porque é obra de 1,99 do governo do Estado.

A declaração não passa de fanfarronice, mas nem chega a ser original. O título foi criado pelo arqui-inimigo de Edmilson, o também arquiteto Paulo Chaves, secretário estadual de cultura, para definir a pobreza das realizações do PT na capital.

O arquiteto estadual brigando com o arquiteto municipal sem um poeta federal por perto para tirar ouro do nariz (por alguma razão desconhecida pela patologia, Belém possui uma quantidade enorme, talvez demasiada, tanto de arquitetos quanto de poetas, de prancheta curta e rima de pé quebrado).

A pobreza foi um mote concebido pelos petistas para efeito meramente econômico. As obras do PT, contrastando com as do PSDB e todos os outros partidos anteriores (formados por gente covarde, na frase alterada de Lula), viriam a ser mais baratas porque não teriam corrupção pelo meio. Administradas com rigor, honestidade e competência, necessariamente iriam sair mais em conta ao erário. E, talvez, com mais qualidade.

Modo de governar

Seria uma revolução (ao menos nos costumes públicos) se tal tivesse acontecido. Mesmo que os canais de vazamento e drenagem de dinheiro já estivessem tamponados, graças ao empenho do condottieri ao tucupi (cujas contínuas temporadas italianas já o credenciam ao título), a redução de custo tanto podia resultar da lisura dos procedimentos quanto da qualidade do material empregado.

Se exagerou na metáfora e bateu pesado na expressão, o arquiteto Paulo Chaves não foi de todo incorreto na sua venenosa definição do modo petista de governar Belém.

O alcaide imaginou retrucar à fera devolvendo-lhe o próprio veneno, o maldoso 1,99. Também não foi de todo improcedente o título aplicado por Edmilson à condução tucana do programa de recuperação das baixadas de Belém.

Economia besta foi feita na obra e alguns erros nela acabaram sendo cometidos, com a delegação de tarefas a quem, desprovido de meios ou competência, sublocou serviço.

Mas a macrodrenagem não chega a ser um produto de 1,99, muito pelo contrário. Prevista para custar US$ 200 milhões, já está um terço mais cara. A economia conseguida nos componentes de custo teria, na melhor das hipóteses, sido mais do que compensada pela variação cambial.

Os resultados do programa teriam sido mais expressivos se não tivesse havido uma estranha incompatibilidade entre a macrodrenagem e seu comandante, o ex-governador Almir Gabriel. Por uma dessas pinimas a que o doutor Almir parece ser abundantemente suscetível, e sobre cujas causas talvez só os mais íntimos estejam bem informados, ele não deu ao programa o referendo de que a obra precisava.

Sempre que possível, eu indagava de algumas das fontes mais próximas ao então governador pelas raízes do possível desentendimento, mas não encontrava explicações satisfatórias. Como o doutor Almir fazia questão de destacar que o programa começara de fato com ele e ninguém mais, dentre os muitos que tentaram ser os pais da criança antes dele.

Talvez o probleminha esteja na circunstância de que o contrato entre o Estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento foi assinado, em Washington, pelo execrável Jader Barbalho.

Como de hábito, Jader acertou tudo para o parto e depois deixou de lado a criança. Sua participação na macrodrenagem se resumiu a dar-lhe vida legal (e alguns inícios entortados, segundo a versão da administração que o sucedeu).

Mas como é o seu nome que aparece como o pai legal da criança, quem for ao cartório verificará o fato, ainda que o doutor Almir tenha toda razão quando reivindica a criação, educação e formação da criatura para o seu governo.

Ficou, porém, provavelmente no reprimido inconsciente, alguma coisa por explicar, aclarar e assumir nessa história. Restos mal digeridos de filho adotivo, qualquer coisa assim.

O avanço proposto

Mas isso é detalhe – e talvez detalhe insubsistente, na visão do ex-governador. O que interessa, no caso, é o valor da obra. O BID procurou resguardá-la para que não fosse mais uma imposição do poder central. Exigiu acompanhamento comunitário e participação dos beneficiários (e também da prefeitura, mesmo ela tendo se esquivado de comparecer com seu dinheirinho, no que foi abonada pelo Estado, então em fase de namoro).

O banco tentou evitar que o empreendimento acabasse sendo mais um fator de expulsão da população por conta da especulação imobiliária, que viria com a valorização da área saneada. A macrodrenagem devia ser um verdadeiro programa de valorização e desenvolvimento (e de “inclusão social”, como agora se repete), não apenas uma obra de saneamento básico, como aconteceu nos canais da Almirante Tamandaré e da Doca.

Certamente não foi nem uma coisa nem outra. Mudou profundamente a paisagem da área e seu uso, na maior intervenção urbanizadora dos últimos anos. Mas não protegeu – e muito menos ainda desenvolveu – seus primitivos habitantes. É algo tão próximo do 1,99 definido por Edmilson quanto o padrão municipal ironizado por Paulo Chaves.

Mas se o secretário de cultura, um secretário de obras avant la léttre, pôde mostrar como fazer melhor (embora muito mais caro), o prefeito ainda tem condições de, nos arremates. Pode converter, ao menos em parte, a mesmice da macrodrenagem enquanto pontapé nos fundilhos daqueles que, depois de comer o pão amassado pelo diabo, receberam cartão vermelho (quando muito, sob a forma de várias notas de real) na hora de pôr o banquete à mesa. Ao invés de convidados, viram-se importunos.

Como primeiro passo para servir ao programa – e ao povo que lhe dá causa – as duas administrações deviam se reunir, conversar como verdadeiras servidoras públicas, à parte suas idiossincrasias, e contribuir para a melhoria geral da sociedade, ao invés de se limitarem a essa esgrima impertinente através da imprensa sobre quem é mais 1,99 nessa forma de exercer o poder – primeiro para si e, se der, para os demais, a partir da premissa da individualidade do líder iluminado. Independentemente da excelência de cada um deles, por avaliação externa ou autocontemplação, Belém virou isso que um diz do outro: uma cidade 1,99.

Discussão

8 comentários sobre “A história na chapa quente (234)

  1. Pois é..É essa incapacidade de colocar o pessoal acima do coletivo que transformou nossa cidade nesta enorme massa falida e avacalhada. Deveriam ter seguido o modelo adotado por alguns estados norte-americanos em suas placas de inauguração: “Esta obra foi construída com dinheiro do povo do [nome do estado]”. Mais impessoal impossível. Simples assim!!

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    Publicado por Jose Silva | 16 de junho de 2017, 15:36
    • Pois é. A briga de egos era tão grande que Duciomar até mandou trocar o uniforme dos garis, mandou repintar a ciclovia da Almirante e até rebatizou a Aldeia Cabana de Aldeia Amazônica. Até os ônibus entraram na dança.

      Contudo, as coisas pioraram ainda mais quando o estado e o município passaram a ser governados por gente do mesmo partido. Zenaldo e Jatene são a prova disso. Com todos os defeitos que tinham, Edmilson e Almir trabalharam bem mais dos que os atuais.

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      Publicado por Jonathan | 20 de junho de 2017, 09:57
  2. Desce uma chapa quente com uma CERPA bem gelada, aí?

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    Publicado por Luiz Mário. | 16 de junho de 2017, 18:03
  3. Chama a Lava-Jato pra trazer essa CERPA.

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    Publicado por Luiz Mário | 17 de junho de 2017, 21:37
  4. Avante. Rumo ao topo!

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    Publicado por Luiz Mário | 18 de junho de 2017, 09:52
  5. E dessa antiga peleja saiu a expressão 1,99. Hoje temos um brega que nacionalizou essa expressão como abertura e uma novela da globo na voz de Gaby Amarantos. A música Ex mai love, autoria de Veloso Dias, colocou na boca do povo a frase que “se botar teu amor na vitrine, ele nem vai valer 1,99” como significado de pouco valor. E dessa escaramuça ao menos ganhamos uma música.
    “Meu amor era verdadeiro,
    O teu era pirata
    O meu amor era ouro
    E o teu não passava de um pedaço de lata
    Meu amor era rio
    E o teu não formava uma fina cascata
    O meu amor era de raça
    E o teu simplesmente um vira-lata

    Ex my love, ex my love, se botar teu amor na vitrine, ele nem vai valer 1,99”

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    Publicado por Fabrício | 5 de setembro de 2017, 17:06

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