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Política, Terras, Trabalho, Violência

Líderes executados

Num momento, Orlando Canuto estava estirado no chão bruto de Rio Maria, no violento sul do Pará, com balas no corpo. Ao seu lado, seus dois irmãos, Paulo e José, também baleados, já estavam mortos. Orlando fingiu que também estava morto e conseguiu escapar à execução pelos pistoleiros, talvez os mesmos que mataram seu pai, João, primeiro presidente do sindicato, com 18 tiros.

Em outro momento, Orlando estava em Paris, em 1990, dando o seu depoimento sobre as mortes nos conflitos de terras na Amazônia, durante sessão do Tribunal Permanente dos Povos, antigo Tribunal Bertrand Russell, que denunciara os crimes d guerra dos Estados Unidos no Vietnam. Durante uma noite, conversamos muito sobre a tensão em Rio Maria, onde viria a morrer o poeta Expedito Ribeiro, pelo mesmo modo. Seu livro, que prefaciei, saiu pós-morte, por iniciativa generosa de Raul Navegantes e Jean Hébette.

Já então eu me questionava quanto custa formar um líder do povo. Na elite, é fácil: já o berço é de ouro. Mas alguém que nasce no meio do povo e defende-lhe as causas, quanto precisa enfrentar para se firmar como liderança, ser respeitado e sobreviver? E uma família de líderes do povo, quanto mais se exige dela? A família Canuto é um desses casos raros de um grupamento unido por um projeto de vida que transcende as próprias relações de sangue.

Surpreende que ainda se mantenha em Rio Maria e não tenha abandonado a militância. Certa ou errada, ela é permanente e coerente. Tanto que provocou mais uma morte, ontem, a bala, como de regra, do cunhado de Orlando, casado com sua irmã, Carlos Cabral Pereira, de 58 anos,, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Maria e um dos diretores da Central dos Trabalhadores do Brasil.

O Estado tem o dever de dar proteção a essas corajosas lideranças, mesmo divergindo delas, para que possam enfrentar e superar as armadilhas preparadas contra elas. Quando falar, o poder público precisa identificar e punir os criminosos, pistoleiros que matam por dinheiro e mandantes que ordenam as execuções certos da sua impunidade.

Discussão

2 comentários sobre “Líderes executados

  1. Depreendo da tua dramática narrativa, grande Lúcio, que, agora, acabaram com esses líderes rurais, nas diversas épocas, ligados a Orlando Canuto. Triste dizer que o faroeste amazônico continua a desafiar governantes, ditos constituídos, agora com mais violência e sofisticação. A terra, as propriedades, megaprojetos de mineração, latifúndios, vilas, agrovilas, e até nesgas de terra parecem pertencer a gente gananciosa, com desejo sangrento pisar e matar os outros. Além de fuzis, escopetas e capangas, cercam- se de uma sofisticada parafernália de comunicação, sem falar da influência política ( muitos agentes públicos nas mãos desses inescrupulosos. Onde entram as pobres lideranças rurais que buscam paz e equilíbrio no campo? Não entram porque vão de encontro aos interesses pecuniários desses ladravazes do espaço amazônico. E quando entram, morrem. Vão investigar? Vão descobrir o autor, os os autores? Paz a alma de Carlos Cabral. Vamos indo, prezado jornalista

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    Publicado por alce | 12 de junho de 2019, 22:51
  2. “Até nesgas de terra parecem pertencer a gente gananciosa, com desejo sangrento pisar e matar os outros”.
    Acho que todo ser humano um dia deveria refletir sobre a questão da terra. As vítimas vão muito além de lideranças sindicais. Como foi citado acima, parece haver uma divisão na sociedade; que pessoas moderadas nas ambições e sem índole violenta, há muito foram igualmente riscadas do mapa rural. E que ninguém pense que a violência é um atributo apenas dos coronéis da terra, pois a sociedade está cada vez mais decadente e perigosa. Invasão do lado da sua casa é garantia de seríssimos problemas. As pessoas acham naturalíssimo roubar e matar para satisfazer pequenas necessidades.

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    Publicado por J.Jorge | 13 de junho de 2019, 09:37

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