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Ciência

Quando o celular mata

A rota migratória internacional que mais causa mortes no mundo tem partida na costa noroeste da África e se dirige para a Europa, fazendo a primeira atracação nas ilhas Canárias, na Espanha. O fluxo em terra vai de Mali, que não tem litoral, para a Mauritânia, com largo acesso ao oceano Atlântico, onde há também grupos locais de emigrantes. A distância entre os dois países é de 470 quilômetros.

Na Mauritânia, 27 pessoas embarcaram em uma grande canoa, com 15 metros de comprimento, construída artesanalmente. O destino eram as ilhas Canárias, a 700 quilômetros. Provavelmente fortes correntes marítimas desviaram a embarcação do seu rumo e a fizeram percorrer 4.700 quilômetros, chegando à deriva no litoral paraense do município de Bragança. Não se sabe o dia da partida para o mar, mas a navegação foi de longo curso.

A tragédia era previsível. A canoa não tinha identificação, não contava com motor, vela ou leme. Desviada da direção sul-norte para leste-oete, os ocupantes do barco nada podiam fazer. Dispunham apenas de capas de chuva e celulares, um para cada ocupante.

Dos 27 que saíram da Mauritânia, só nove chegaram ao Pará, todos mortos, com os corpos em decomposição. O casco da canoa não tinha furo algum e por isso não afundou. Quem morreu antes, por se jogar ao mar, de insolação ou inanição completa, passou por sofrimentos terríveis.

Essa migração, como a maioria das que têm como meta encontrar um novo local para viver, sob a pressão d guerras, fomes e outros problemas graves na África, teve dois componente que impressionaram. Um foi a aventura de sair para o mar aberto em uma embarcação sem qualquer forma de operação e controle.

Os passageiros só levaram consigo capas de chuva, um objeto que pode ser explicado (com muita dificuldade) racionalmente, para a proteção da chuva e da insolação. Mas, e os 27 celulares? O que pretendiam com eles? Uma ajuda milagrosa? Um contato salvador? Ter uma ilusão de segurança?

Talvez tudo isso, mais a magia, por vezes traiçoeira e mortal, como a desta trágica história da busca coletiva por uma vida melhor. Já se começa a perceber que esses aparelhos mágicos (e enfeitiçadores) também podem levar à destruição dos que estão sujeitos ao poder de sedução da mais perigosa dependência humana, pela tecnologia.

Discussão

3 comentários sobre “Quando o celular mata

  1. Sem dúvidas o celular hoje é a droga socialmente aceita, repare nas mesas de bares, 4 pessoas ou mais e metade bebendo e mechendo no telefone. Mães que dão para bebês de dois ou três anos Tablets para entreter, crianças hoje não sabem mais escrever, caderno de caligrafia e pintura, a velha Tabuada são peças de museu.

    Novos tempos, novas chagas.

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    Publicado por flightfernando | 19 de abril de 2024, 19:41
  2. A capa de chuva é importante nessas horas como ferramenta de sobrevivência; porque dá proteção contra a excessiva exposição a raios solares e ainda pode ser usada como um coletor e armazenador de água da chuva. Impressiona que neste barco não tenha sido construido nenhum abrigo estanque, ou no mínimo flutuadores extras capazes de suportar o peso de tantos ocupantes em um mar agitado. Eram pessoas muito desesperadas mesmo.

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    Publicado por J.Jorge | 20 de abril de 2024, 08:15

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