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Polícia, Política

Vítima: a verdade

O presidente Jair Bolsonaro (do PSL) se surpreendeu ao ver o governador Wilson Witzel (do PSC) chegar à sede do Clube Naval, no Rio de Janeiro. Talvez por ser a festa de aniversário de um militar, provavelmente um almirante. O governador também pareceu surpreso. Witzel se aproximou de Bolsonaro para conversarem. Informou-o que seu nome fora citado num processo, que iria para o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro, já irritado, perguntou de que processo se tratava. “Da morte da vereadora Marielle”, respondeu Witzel, lacônico.

O encontro, reconstituído hoje por Bolsonaro foi no dia 9. No dia 17, integrantes do Ministério Público do Rio foram a  Brasília conversar com o presidente do Supremo Tribunal Federal. Informaram o ministro Dias Toffoli sobre a referência a Bolsonaro. Nesse caso, o STF teria que se manifestar, mandando apurar os fatos, por envolverem o presidente da república. Logo em seguida, Toffoli foi ao Palácio do Planalto para uma conversa reservada com o presidente. Provavelmente para lhe transmitir a informação recebida dos promotores.

Todos os personagens mantiveram silêncio sobre o assunto, que só se tornou público ontem, através do Jornal Nacional da TV Globo. A emissora noticiou que, no final da tarde do dia 14 de março do ano passado, o ex-policial militar Élcio Queiroz foi ao condomínio Vivenda da Barra. Na portaria, se apresentou e disse que pretendia ir à casa 58, onde mora Jair Bolsonaro. O porteiro ligou duas vezes para a residência pelo telefone interno. Nas duas vezes, identificou a voz como sendo a do presidente.

O visitante, porém, não foi à casa 58. Acompanhando a trajetória do carro por câmeras internas, o porteiro constatou que o carro estacionou na casa 78, do sargento aposentado da PM Ronnie Lessa. Pouco depois, o mesmo motorista conduziu o carro  até o bairro da Lapa, onde foi assassinada a vereadora Marielle Franco, do PSOL, junto com seu motorista, Anderson Gomes.

Tumultos à parte, as informações divulgadas servem de confirmação sobre os assassinos, que são militares da reserva da PM, integrantes possivelmente de uma milícia, em um atentado político. O que ainda está indefinida é a cadeia de comando, que leva aos mandantes do crime. Há várias hipóteses em consideração, todas contaminadas por falhas e contradições.

A primeira suscita a participação de Jair Bolsonaro na trama. Ele próprio desfez essa teoria, com seu estilo estridente , autoritário, arrogante e irracional. De fato, um dia antes, no próprio dia e no dia seguinte, ele esteve em Brasília, no exercício do seu cargo de deputado federal. O registro digital é prova suficiente, à qual outras provas poderão ser juntadas.

A conclusão óbvia é de que a voz que atendeu o telefonema do porteiro do condomínio na casa do presidente não era a dele. Mas deve ter semelhança suficiente na voz para confundir o porteiro. Seria então de quem? O filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, mora na casa 32 do mesmo condomínio, cedida pelo pai. A voz teria sido então de Carlos, colega de legislatura da vereadora assassinada, seu adversário político?

Uma vez autorizado a entrar no condomínio, por que o motorista não seguiu para a casa de Bolsonaro, desviando-se para a de Ronnie, ainda mais estando ciente da presença de câmeras de observação, que o denunciariam ao porteiro?

Seria porque tanto o motorista quanto a pessoa que se fez passar por Bolsonaro sabiam que ele estava em Brasília, com isso montando um álibi perfeito, que o presidente poderia exibir a qualquer momento para se defender?

Nesse caso, o presidente integraria o plano de morte? Ou não sabia que iriam usá-lo para criar uma pista falsa para a polícia? Mas se o porteiro julga ter ouvido a voz do presidente, quem poderia imitá-lo? O filho, Carlos? Em conluio com o pai ou sem que ele soubesse? Ou os Bolsonaro foram apenas bodes expiatórios usados pelos assassinos, aproveitando-se das ligações do pai e dos três filhos com milícias e policiais?

Bolsonaro reagiu, indignado e descontrolado, suscitando a possibilidade de que o porteiro tenha mentido ou tenha sido vítima de uma trama armada pelo delegado que o ouviu no processo, fazendol-o assinar em cruz o depoimento, talvez sob a inspiração do governador Wilson Witzel, que teria vazado as informações para a TV Globo. De forma categórica, e temerária, Bolsonaro garantiu que a Globo teve acesso aos autos do processo e não apenas ao livro da portaria do condomínio, como alega a emissora, caracterizando dessa forma a parceria de Witzel com a empresa.

Witzel teria agido assim por querer tirar de Bolsonaro a possibilidade de se candidatar à reeleição, abrindo espaço para o governador carioca disputar a presidência. A Globo, para se livrar de um inimigo, que já anunciou sua disposição de enfrentá-la para acabar com o seu poder, alimentado por muita publicidade do governo federal. Deixou a ameaça de só renovar a concessão da emissora,q ue vencerá em 2020, se o processo estiver “enxuto”. A emissora reagiu assegurando que há 54 anos mantém a concessão porque age corretamente. E que não depende de verba pública para se manter.

Quem mente? Quem diz a verdade? Há mentiras por dentro de cada versão individual?

Qualquer que seja a resposta, a verdade, por linhas tortas, está cada vez mais próxima.

Discussão

6 comentários sobre “Vítima: a verdade

  1. Lúcio, a matéria exibida pela TV GLOBO, ontem no JM não é liberdade de Imprensa e, sim, licenciosidade.
    Tenho sérias restrições ao Bolsonaro, mas, atribuir-lhe a montagem de um álibi à sua presença em BSB, sendo o mesmo deputado federal com intensa presença na Câmara, faz jus ao prêmio de “8“Teoria Conspiratória”, do ano.

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    Publicado por Ronaldo Passarinho | 30 de outubro de 2019, 13:04
  2. O porteiro pode ter se equivocado, ou mentido, e tudo o mais.

    Mas, que a ligação dos Bolsonaro — pai e filhos — com essas figuras do submundo é, no mínimo, imprópria.. lá isso é!

    Daí a se achar que eles próprios, os Bolsonaro, também são figuras do submundo, é menos que meio passo…

    É lá como diziam as avós: “diz-me com quem andas, e te direi quem és”.

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    Publicado por Elias Granhen Tavares | 30 de outubro de 2019, 18:18
  3. Até onde é verdade tudo o que o presidente diz?

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    Publicado por Luiz Mário | 30 de outubro de 2019, 18:39
  4. Que tal se houver a quebra do sigilo telefônico das pessoas citadas nessa “confusão”?

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    Publicado por Luiz Mário | 30 de outubro de 2019, 21:20
  5. Pergunta que insiste em não calar: qual a importância da finada vereadora no cenário da política nacional? Ou mesmo no cenário estadual no RJ? Poderias esclarecer essa dúvida? Que tipo de ameaça tão grave ela poderia representar ao governo Bolsonaro, ao ponto de ter que ser eliminada. E a hipótese, cada vez mais evidente de que ela pode ter sido executada pelos seus próprios pares, como o então prefeito Celso Daniel e mais sete testemunhas deste caso? E quem foi o mandante do atentado terrorista que quase matou Bolsonaro durante a campanha presidencial do ano passado? Esses episódios da recente história política brasileira não provocam a tua curiosidade jornalística? Por que a denúncia do Marcos Valério, de que Lula foi o mandante deste crime hediondo não desperta a tua indignação? Nem as denuncias do outrora homem forte do PT, Antonio Palocci, não encontram eco na grande imprensa, nem do teu Jornal pessoal? São assuntos de grande importância e de interesse público nacional que nem tu, nem a grande imprensa brasileira parecem interessados nas respostas. Já vi dias melhores no teu jornalismo, professor.

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    Publicado por Marcio Monteiro | 7 de novembro de 2019, 02:44

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